19/02/2024

Clássicos da Literatura Portugueses em BD - Entrevista com André Morgado e Jefferson Costa




Depois da entrevista a Pedro V. Moura e Susa Monteiro, a propósito da adaptação que fizeram de Mensagem, o primeiro volume da colecção Levoir/RTP, Clássicos da Literatura Portugueses em BD, hoje encontram abaixo as respostas às mesmas perguntas de André Morgado e Jefferson Costa, que adaptaram a Farsa de Inês Pereira.


As Leituras do Pedro - A escolha da obra foi tua ou da editora?

André Morgado - Creio que será mais sensato assumir que terá sido da editora, mas quando soube da lista de obras disponíveis, confesso que adiantei que tinha algumas preferências e, se fosse possível satisfazê-las, tanto melhor. Felizmente, foi o caso d’A Farsa de Inês Pereira.


As Leituras do Pedro - E a escolha do Jefferson Costa paraa ilustrar?
André Morgado - Logo no início do projecto, perguntei à editora se haveria interesse em tentar levar a colecção para o Brasil e, como entendi que sim, e dado que, provavelmente, tenho uma relação até mais estreita com os artistas de banda desenhada no Brasil do que com os portugueses, perguntei se poderia sugerir alguns nomes. Eu já acompanhava o trabalho do Jefferson há muitos anos, tínhamos vários amigos em comum, mas nunca havíamos trabalhado juntos. Foi desta - e ainda bem!

As Leituras do Pedro - Já conheciam a obra? O que trouxe adaptá-la?
André Morgado - Sim, já conhecia. Lembro-me de a trabalhar enquanto aluno e enquanto professor e de gerar sempre momentos divertidos em contexto de sala. E além da sagacidade da crítica social que lhe está subjacente, sempre achei que esta obra tinha um pequeno extra de sabor por ter servido, também, como uma resposta de Gil Vicente às dúvidas que, na época, se levantaram sobre a sua capacidade criativa.

Jefferson Costa - Eu, de facto, não conhecia a peça, mas o ditado popular do asno. Então, além dos textos do André, me apoiei em duas encenações da peça que encontrei disponível nas redes e me ajudou na imersão e no espírito da história. Apesar do tempo escasso e do limite de páginas, não ideal para a produção, foi divertido.


As Leituras do Pedro - Se a escolha fosse livre, sem limitações, que obra gostavam de adaptar?

André Morgado - Mesmo cingindo-me apenas a obras portugueses, há muito por onde escolher, mas tenho dois que adoraria adaptar: oMalhadinhas, de Aquilino Ribeiro e As aventuras de João sem Medo, de José Gomes Ferreira.

Jefferson Costa - Recentemente adapteiA Odisseia; na ocasião também respondi a essa pergunta, algo que acredito não ter mudado. Gostaria muito de fazer adaptação de poemas da antiguidade, não ocidental, entre eles a epopeia de Gilgamesh.


As Leituras do Pedro -
Como se adapta uma obras destas a BD? Quais as principais dificuldades?

André Morgado - Adaptar uma obra deste tipo, pensada para teatro e com uma estrutura muito focada na dinâmica física entre personagens, entre diálogos... traz sempre alguns desafios, nomeadamente porque se uma cena, em teatro, não carece necessariamente de uma alteração constante nos espaços da ação; na adaptação para Banda Desenhada parece-me clara a necessidade de criar alguma variação de espaços e cenas que ajudassem a tornar a história mais aprazível e menos aborrecida.

Aqui, felizmente, tive toda a liberdade para esse processo criativo que foi igualmente muito bem entendido pelo Jeff.

Além disso, muita gente já conhece estas histórias, e procurar um lugar entre o conforto de algo que conhecemos e a novidade que nos possa surpreender, é uma missão complicada, pelo menos para mim.

Jefferson Costa - Além do pouco tempo já citado, fazer caber toda a história na quantidade de páginas específicas, mantendo uma narrativa ainda agradável e atrativa, não foi fácil. Mas como desafio é excelente ter este tipo de situação.


As Leituras do Pedro - Como foi o vosso processo de trabalho?
André Morgado - Quando falei com o Jefferson, disse-lhe o que tinha em mente e, depois de algumas semanas a trabalhar no argumento, enviei-lhe uma primeira versão. Queria saber como é que ele a “sentia”, se achava que precisava de mais ou menos orientações, mais ou menos indicações. Queria ser um facilitador de processo e não o contrário, porque o tempo não corria a nosso favor.
Pouco depois, o Jefferson envia-me os rascunhos de 48 páginas (eram 48, embora o livro tenha 46) e percebi que ele conseguia não só entender de forma plena as minhas ideias, como foi capaz de as traduzir de forma superior.

Jefferson Costa - A dupla funcionou bem, com trocas e ajuda mútua, em sintonia e acordo com o rumo e intenções narrativas no decorrer da produção. Foi massa!


As Leituras do Pedro - Que expectativas tens?

André Morgado - Sinceramente, não pensei nisso. Como estou a trabalhar em mais três livros desta colecção, assim que se encerrou a porta da Farsa…, abriu-se logo outra e não me deixou muito tempo para pensar nas expectativas. Mas espero que as pessoas não leiam a obra achando que é uma mera mudança de linguagem artística e não a encarem apenas como uma boa ferramenta para introduzir a Farsa de Inês Pereira nas escolas. Acho que há aqui muito mais que isso.

Jefferson Costa - Não alimento expectativas, pelo menos tento não o fazer. Só seguir fazendo meu trabalho e ficar satisfeito ao fim de cada processo. É sobre o que posso ter algum controle, apenas.


As Leituras do Pedro - Qual a importância de uma colecção como esta?
André Morgado - É importante em vários domínios, creio. Desde logo o reavivar de obras que ficam, muitas delas, circunscritas a públicos de idade escolar. Aliás, parece que todos os autores que estão fora desse circuito vão caindo no esquecimento, o que é pena.

Naturalmente que esse lado pedagógico também tem importância, e anda bem, embora acredite que se deva ressalvar que esta adaptação não é, nem pretende ser, uma ‘Farsa de Inês Pereira para preguiçosos’. Quero crer que, enquanto livro de BD, tem uma dimensão própria.

E também o facto de ser mais um canal de aproximação entre autores - argumentistas e artistas - de língua portuguesa e um público tendencialmente mais afastado da BD, é importante.

(entrevistas, feitas em separado, por correio electrónico; imagens disponibilizadas pela Levoir; clicar nelas para as aproveitar em toda a sua extensão; clicar nos textos a cor diferente para saber mais sobre os temas destacados)

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