09/05/2024

Clássicos da Literatura Portugueses em BD - Entrevista com André Morgado e Tainan Rocha




Prosseguindo a série de entrevistas aos autores da colecção Clássicos da Literatura Portugueses em BD, editada pela Levoir e a RTP, cabe hoje a vez a André Morgado e a Tainan Rocha, que assinaram uma conseguida adaptação da Carta a El-Rei D. Manuel sobre o achamento do Brasil.
Perguntas e respostas, trocadas por correio electrónico, já a seguir.


As Leituras do Pedro - A escolha da obra foi tua ou da editora?

André Morgado - Olha, pouco depois de ter manifestado muita vontade de adaptar A Farsa de Inês Pereira, a Levoir perguntou-me se estaria interessado em trabalhar em mais alguns títulos, com a Carta..., de Pêro Vaz de Caminha, a ser a primeira das propostas. Aceitei prontamente, especialmente porque rapidamente me surgiu a vontade de trabalhar nela com o Tainan.


As Leituras do Pedro - E a escolha do desenhador para a ilustrar?

André Morgado - Respondi antecipadamente! Fui eu que pedi à Levoir que me deixasse trabalhar com o Tainan, neste livro. É um daqueles amigos com quem esperava trabalhar num projecto maior há algum tempo (já tínhamos feito uma coisita ou outra, juntos, mas de pequena dimensão), porque adoro a arte dele.


As Leituras do Pedro - Já conheciam a obra? O que trouxe adaptá-la?

André Morgado - Sim, embora já a tivesse lido há muito e estivesse esquecido de alguns detalhes importantes. Foi uma óptima forma de reler a Carta!

Tainan Rocha - Eu provavelmente devo ter entrado em contato com algum trecho da obra na época da escola, durante as aulas de História, mas se dissesse que me recordo perfeitamente, estaria mentindo!


As Leituras do Pedro - Se a escolha fosse livre, sem limitações, que obra gostavam de adaptar?

André Morgado - Para não repetir os títulos que avancei na entrevista a propósito d’A Farsa de Inês Pereira, vou dizer outro. Gostaria de adaptar o conto Ascensão e Queda dos Porcos-Voadores, de José Cardoso Pires. Acho-o oportuno, hoje em dia...

Tainan Rocha - Eu provavelmente teria escolhido Malagueta, Perus e Bacanaço, de João Antônio - autor brasileiro de que gosto muito e que é influência inclusive nas minhas investidas enquanto escritor.


As Leituras do Pedro - Como se adapta uma obras destas a BD? Quais as principais dificuldades?
André Morgado - O tempo, nesta coleção, nunca abona a favor do processo criativo. Ainda assim, como tive a sorte de trabalhar com alguém que é igualmente muito pronto e criativo, a coisa deu-se bem. Portanto, sem pensar muito, diria que tudo correu muito bem até termos que lidar com um problema de ordem mais técnica a dois ou três dias da impressão, o que nos obrigou a ajustar todas as páginas e todos os balões e legendas... Houve suor e lágrimas (quase).
Tainan Rocha - Para mim, a grande dificuldade acabou sendo, ao mesmo tempo, um desafio interessante; me fez sair de uma certa zona de conforto ter de desenhar cenários, figurinos, etc., que não fazem parte do meu tempo.

As Leituras do Pedro - Como foi o vosso processo de trabalho?
André Morgado - Nesta colecção, tenho tido a sorte de trabalhar com artistas muito bons e que facilitam todos os processos. Com o Tainan, foi fácil casar as ideias e, depois de umas três ou quatro semanas a escrever o argumento, partilhei-o com ele, recebi uma ou outra opinião, considerei-a, revi tudo e depois fizemos o inverso. O Tainan partilhava as páginas, uma a uma, e discutíamos as possíveis alterações - que, felizmente, não foram muitas. Aliás, a maior até deve ter sido a readaptação das legendas que tinha inicialmente previstas, uma vez que achei que devia dar mais espaço para a arte fluir nas páginas.
Tainan Rocha - Eu, quase sempre que recebo um roteiro, imprimo o mesmo, e faço pelo menos três leituras antes de começar a desenhar qualquer coisa. No caso de um roteiro aberto, durante a metade da segunda leitura já vou fazendo pequenas anotações visuais ao lado do texto, separando/quebrando as ações em páginas a fim de testar o ritmo e a cadência da narrativa.
Concluída esta etapa, separo as referências, monto as composições das páginas e sigo esboçando. No caso específico desta BD, eu fiz todo o restante do processo (esboço, arte final e cor) de forma 100% digital, aplicando texturas e manchas analógicas que foram escaneadas.

As Leituras do Pedro - Que expectativas têm?

André Morgado - Como já tinhas feito essa questão n’A Farsa de Inês Pereira, aqui já vinha preparado com uma resposta! Gostava muito que acontecessem duas coisas: a primeira, que a adaptação fosse entendida como uma releitura mais moderna mas respeitadora da mensagem mais genuína da Carta... A segunda expectativa, passa pela possibilidade de provarmos que os dois (eu e o Tainan) fizemos um bom trabalho em conjunto e que promova novas colaborações entre os dois.

Tainan Rocha - De que esta publicação me abra mais portas para continuar publicando no mercado europeu de BD, inclusive histórias autorais que tenho vontade de contar um dia.


As Leituras do Pedro - Qual a importância de uma colecção como esta?

André Morgado - Vou reutilizar um pouco a minha resposta na entrevista sobre A Farsa de Inês Pereira, dizendo que me parece uma coleção importante em vários domínios, desde logo o reavivar de obras que ficam, muitas delas, circunscritas a públicos de idade escolar.

E, como tenho dito nos círculos mais próximos, creio que esta será, provavelmente, a colecção de BD portuguesa mais importante dos últimos 20 anos, com um poder de ajudar a trazer um público que se vê “obrigado” a entrar em contacto com a BD, por motivos académicos, mas que descubra que vale muito a pena ficar “por cá”. Pelo menos, assim o espero!

Tainan Rocha - Particularmente, acho interessante que a linguagem da BD seja usada para atrair o olhar das novas gerações para o passado.

(imagens disponibilizadas pela Levoir; clicar nesta ligação para ver mais pranchas, ou nas aqui reproduzidas para as aproveitar em toda a sua extensão; clicar nos textos a cor diferente, para saber mais sobre os temas destacados)

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