13/06/2024

Admirável Mundo Novo

Pessimismo e desencanto


Lido há décadas - como o tempo passa! - algures entre o final da adolescência e a juventude, Admirável Mundo Novo foi um dos romances que mais me marcou, pelo seu tom pessimista e desencantado e pela versão nada romântica que traçava do futuro da humanidade.
Reencontrei-o agora, na versão de Fred Fordham, na 'febre' pelas adaptações literárias que tem grassado nestes últimos anos pelos mercados de banda desenhada.

[Entro de seguida em pormenores que, não sendo segredo - o romance original data de 1932, de há quase um século! - podem estragar o prazer da actual leitura a quem não esteja familiarizado com esta obra de Huxley. Prossigam, por vossa conta e risco...]

Mais até do que 1984, em que a revolta era possível, apesar do controle constante e absoluto do sistema sobre a população, em Admirável Mundo Novo a ausência de qualquer vontade, suprimida pela utilização de uma droga de efeitos agradáveis e o completo despojamento de sentimentos pelo esvaziamento total de relações e pela anulação dos laços de maternidade/paternidade afirmavam o futuro como um lugar de indivíduos amorfos e não de sociedade, apesar da aparência pujante desta última.

Como réstia de esperança, ficava a existência de umas quantas ilhas, habitadas por 'selvagens' em estado humano natural, ou seja, pessoas com livre arbítrio, que amavam casavam, procriavam e até podiam ter religião - que em condições especiais podiam ser visitadas pontualmente quase como quem visita um jardim zoológico.

Um desses 'selvagens', trazido para a 'civilização', vai provocar uma série de choques estruturais e pessoais, levar alguns a questionar opções de vida e a quanto estão dispostos para mudar ou apenas experimentar alguma mudança, com o peso opressivo do sistema e da realidade a tentar sufocar as brisas de liberdade e auto-determinação surgidas.

Quarenta (?) anos depois, o regresso a este mundo novo, que de admirável tem pouco, através da versão de Fred Fordham, se por um lado evocou em mim uma série de memórias (algo difusas) por outro não me chocou tanto. Porque sou uma pessoa, um leitor diferente, aquela mais desencantada, este com uma bagagem - entendam 'leituras' - bem mais ampla e abrangente. Porque, apesar da fidelidade ao original, com assinalável contenção no que respeita a texto escrito, transformado mais do que uma vez em sequências mudas, senti que falta alguma 'alma' à proposta de Fordham, algo asséptica como o futuro que representa. Ou tão só, porque em literatura ou BD ou... cada obra tem o seu tempo próprio - que pode ser entendido literalmente em termos temporais ou tão só tendo em conta o estado de espírito no momento da leitura.

Apesar disso - pelo reencontro com um outro eu e/ou pela auto-reavaliação que me permitiu fazer - este Admirável Mundo Novo revelou-se uma leitura proveitosa e um ponto de partida para um olhar mais crítico sobre o futuro que estamos - todos - a construir agora.


Admirável Mundo Novo
Fred Fordham
Segundo o romance original de Aldous Huxley
Relógio D'Água
Portugal, Maio de 2024
163 x 235 mm, 244 p., cor, capa mole
23,00 €

(imagens disponibilizadas pela Relógio D'Água; clicar nesta ligação para ver mais pranchas ou nas aqui reproduzidas para as aproveitar em toda a sua extensão; clicar nos textos a cor diferente para saber mais sobre os temas destacados)

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