16/07/2024

O Fotógrafo de Mauthausen

Imagens hediondas em nome da verdade




Preservar a memória é fundamental num tempo em que a informação - e a falta dela - é tão etérea e passa tão depressa quanto surge: à velocidade de um clique.

O Fotógrafo de Mauthausen, disponível em edição portuguesa da Gradiva, é um tributo à memória de um homem, o espanhol Francisco Boix que, durante a II Guerra Mundial, esteve preso no campo de extermínio de Mauthausen, um local para onde iam os "irrecuperáveis", um local de onde nenhum dos prisioneiros "deveria sair vivo".

Tendo de fugir após a guerra civil do país ao lado, Boix tornou-se refugiado político em França, onde seria integrado à força numa divisão do exército local e acabaria prisioneiro dos alemães, em 1941, quando o seu poderio militar e a sua expansão atingiam o auge.

Depois do filme de 2018, de Mar Targarona, esta é mais uma forma de contar, possivelmente a outra faixa de potencial público, o que Boix viveu em Mauthausen e, mais do que isso, o que ele viu por lá.

Porque naquele campo de extermínio, triste coincidência, havia quem tivesse o mesmo propósito: ilustrar a verdade para que ela perdurasse, embora não pelos mesmos motivos. Paul Rincken, um dos oficiais nazis, gostava de retratar a morte dos prisioneiros em fotografias artísticas, ao mesmo tempo que 'fabricava' outro tipo de imagens para dar uma ideia distorcida, até agradável, do local.

Boix, caído nas graças dele devido ao seu jeito para a fotografia, decidiu então que teria de fazer sair do campo os negativos e as fotos que poderiam mostrar ao mundo a hedionda realidade. É neste pressuposto que se baseia esta narrativa realista com toques de ficção, em que a bestialidade nazi nos entra pelos olhos dentro em contraponto com o idealismo de um homem que tenta preservar a memória.

Da leitura, agradável, composta por um muito extenso dossier final, ilustrado por muitas das fotos que Boix preservo, que situa e contextualiza os acontecimentos, fica uma dupla sensação de incómodo: pelo que foi levado a cabo naquele lugar e pela indiferença com que o pós-guerra - e os dias de hoje? - receberam a verdade.


O Fotógrafo de Mauthausen
Salva Rubio (argumento)
Pedro J. Colombo (desenho)
Aintzane Landa (cor)
Gradiva
Portugal, Maio de 2024
235 x 310 mm, 168 p., cor, capa dura
32,50 €

(versão revista do texto publicado na página online do Jornal de Notícias de 5 de Julho de 2024 e na edição em papel do dia seguinte; imagens disponibilizadas pela Gradiva; clicar nelas para as aproveitar em toda a sua extensão; clicar nos textos a cor diferente para saber mais sobre os temas destacados)

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