A espera vale sempre a pena
Com a publicação, incompleta, iniciada em português há um quarto de século, o primeiro ciclo das Fábulas da Terras Perdidas está agora finalmente disponível na nossa língua. E numa edição integral da Arte de Autor, com os quatro tomos do primeiro ciclo e um belo caderno de extras, com uma dimensão que raramente temos visto por cá.
E mesmo sendo uma muleta fácil, apetece escrever que 'a espera vale sempre a pena', pois esta saga de tom medieval e fantástico, é daquelas que seduz, conquista e obriga a ler avidamente até ao final.
À partida, nada de muito original: um trono que fica vazio após a morte de um tirano, os ventos de liberdade que ela parece trazer, vários clãs em luta pelo poder, uma profecia antiga que parece querer cumprir-se, diversos simbolismos marcantes, uma herdeira inesperada, a oposição entre o amor e o mal encarnado e amparado pela magia e o sobrenatural para desequilibrar os pratos da balança...
E para além disso, a grandiosidade das paisagens, a força das principais personagens, o tom fantástico em parceria com o aventuroso que a transformam numa imensa saga épica e a vantagem da narrativa decorrer num território imaginário, Eruin Dulea, o que permite todas as liberdades criativas aos seus autores.
E, principalmente, a capacidade que o argumentista Jean Dufaux demonstra, com um relato coeso e sustentado, credível apesar do seu tom fantástico, de nos surpreender sucessivamente, negando ou distorcendo o que dávamos por certo ou inevitável, seja a vitória dos bons, o castigo dos maus, as belas histórias de amor a concretizar... Esta imprevisibilidade, nalguns casos previamente anunciada como no início do quarto tomo, se inicialmente pode ser desconcertante, com a continuidade transforma a leitura num desafio constante.
Graficamente, é difícil apontar melhor escolha do que o polaco Grzegorz Rosinski, que exibe aqui toda a mestria que já lhe conhecíamos em Thorgal, vincando a ambiência nórdica e medieval e representando, como poucos têm feito, castelos, combates a pé ou a cavalo, paisagens desoladoras ou elementos fantásticos.
Sinais
Uma das raras edições integrais - entenda-se com três, quatro ou cinco álbuns originais - publicada entre nós, este primeiro ciclo das Fábulas das Terras Perdidas é mais um sinal da forma como o mercado editorial de banda desenhada mudou nos últimos anos. Por isso se têm em multiplicado os volumes duplos - alguns também integrais... - por isso, aqui e ali, as editoras oferecem ex-libris numerados e/ou assinados em determinadas condições, sendo o segundo volume de Jonas Fink o exemplo mais recente, por isso o recente Blake e Mortimer - Assinado "Olrik" tem uma edição completamente diferente para as livrarias FNAC - uma edição em formato italiano, que não se limita à (já) tradicional capa alternativa - por isso o Lucky Lucky - Os Indomados tem direito a uma caixa especial na Wook em que, para além do álbum com capa alternativa, o leitor disposto a despender mais alguns euros, recebe um ex-libris numerado e assinado e dois prints numerados.
[Inevitavelmente alguém irá falar do preço da edição - e eu percebo. Não é fácil pagar de uma vez quase 50€ por um livro. Mas, a alternativa - editar os álbuns isolados ou agrupados dois a dois - no final iria ficar mais cara...]
Não sendo exclusivo destes anos mais recentes, uma vez que houve exemplos similares no passado, são pequenos sinais que vêm ao encontro do anseio daqueles que invejavam este tipo de complemento de edições que aconteciam regularmente no mercado franco-belga.
Fábulas
da Terras Perdidas - Integral
Jean
Dufaux (argumento)
Grzegorz
Rosinski
(desenho)
Arte
de Autor
Portugal,
Outubro de 2024
235
x 310, 248
p.,cor,
capa dura
49,00
€
(versão revista do texto publicado na edição online do Jornal de Notícias a 8 de Novembro de 2024 e na edição em papel do dia seguinte; imagens disponibilizadas pela Arte de Autor; clicar nesta ligação para ver mais pranchas ou nas aqui reproduzidas para as aproveitar em toda a sua extensão; clicar nos textos a cor diferente para saber mais sobre os temas destacados)
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