É possível ter sonhos e concretizá-los
"A
criança que eu era não gosta do adulto que eu sou..."In
Alguém
com quem falar
Samuel faz 35 anos. Está sozinho em casa, como na vida, como tem acontecido em todos os aniversários recentes. Com um bolo e uma garrafa de champanhe, só para si.
Como todos os anos, liga à sua ex que o despacha furiosa. Um acidente avaria o seu telemóvel pelo que decide utilizar o portátil. Liga para o único número que tem gravado, o da antiga casa dos seus pais, onde viveu em pequeno, convencido que ninguém atenderá do outro lado. Surpreendentemente, ouve uma voz infantil. É ele próprio, um quarto de século antes, a poucos dias da morte da mãe, vitimada por um cancro.Vai iniciar-se ali um diálogo que alimentará avidamente, desejoso de evitar ao seu próprio eu mais novo problemas que a vida lhe trouxe, mas também feliz por poder partilhar com alguém a vida triste e vazia que leva, com alguém que o vai desafiar a voltar ao que um dia fantasiou, alguém que não gosta do adulto em que se tornou. Um adulto com um emprego de publicitário com um patrão autoritário que odeia, a paixão não declarada pela jovem chinesa que há pouco tempo foi trabalhar para a empresa, os sonhos de criança - ser futebolista, escritor... - que a vida fez por fazer esquecer.
"Alguém com quem falar", a adaptação em BD do romance original de Cyril Massarotto, que a ASA fez chegar há poucas semanas às livrarias nacionais, desenvolve-se, assim, com um toque de fantástico e um bom humor que não mascaram o vazio de tantas vidas jovens nos nossos dias, nem a incapacidade que tantos temos de viver os sonhos que alimentamos até a realidade nos atropelar.
Grégory Panaccione adapta com especial sensibilidade e um optimismo encorajador o romance original, assente num traço não especialmente agradável, mas com uma invulgar capacidade de transmitir movimento e de ritmar adequadamente um relato quase sem acção física, através da utilização de artifícios gráficos tão simples como esvaziar os fundos, caricaturar as personagens semi-realistas ou recorrer a grandes planos ou vinhetas de maior dimensão.
No final, confortados - e quão difícil é uma obra consegui-lo - não questionamos onde esteve a fronteira entre a realidade e a fantasia, fechamos o livro com o sentimento reforçado que é possível ter sonhos e, mais ainda, concretizá-los.
Alguém
com quem falar
Grégory
Panaccione segundo Cyril Massarotto
ASA
Portugal,
2025
205
x 268 mm, 256
p., cor,
capa dura
30,90
€
(versão revista e aumentada do texto publicado no Jornal de Notícias de 10 de Maio de 2025; imagens disponibilizadas pela ASA; clicar nesta ligação para ver mais pranchas ou nas aqui publicadas para as aproveitar em toda a sua extensão; clicar nos textos a cor diferente para saber mais sobre os temas destacados)
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