14/09/2012

Murena #6/#7

O Sangue das Feras/Vida dos Fogos
 

 

  

 

 

 

Dufaux (argumento)
Delaby (desenho)
ASA (Portugal, Julho de 2012)
220 x 295 mm, 116 p., cor, cartonado
21,90 €

 
 

Se a banda desenhada, em diversos momentos e em diversos registos (como em Astérix, Alix ou As Águias de Roma, para citar apenas obras de fácil acesso em português) abordou de forma mais ou menos directa a época do império romano, possivelmente nunca o terá feito com o rigor histórico e a qualidade ficcional que Murena ostenta.
Acompanhando o percurso de Nero desde a sua juventude, narrando a sua ascensão ao poder, o seu comportamento despótico e, suponho, a sua (futura e) inevitável queda, Murena é um retrato cru e violento de uma sociedade romana já em decadência, minada desde o seu interior pelas intrigas e a podridão moral.
E Dufaux traça o percurso de Nero, balizando-o através das suas relações com as mulheres que marcaram e influenciaram a sua vida: a tia Domitia, a mãe Agripina, a escrava Acté, a mulher Pompeia…
Esse retrato – de Nero e de Roma – desvenda a vida nos palácios, o treino dos gladiadores, a violência na arena, as ruas esconsas e sórdidas ou as campanhas militares, e mostra o monarca convencido do seu estatuto de semideus, capaz de dar e de se dar, enquanto isso serve os (que pensa serem os) seus interesses, ou de afastar, tantas vezes de forma extremamente violenta (física e/ou emocionalmente) quando os respectivos caminhos deixam de ser comuns.
Se isto é aplicável ao relacionamento (mais ou menos) íntimo que teve com aquelas (e outras) mulheres, é também extensível a todos os que o foram rodeando: amigos, companheiros ou simples interesseiros, conselheiros, bajuladores, criados, escravos… Aos quais se julga superior, embora muitas vezes não passando de um joguete nas mãos dos outros.
Em paralelo, conhecemos também Murena, que até dá o título à série, cujo caminho diversas vezes – raramente pelos melhores motivos para ele – se cruza com o do (futuro) imperador. Murena revela-se mais humano – em oposição ao “deus” – construindo o seu caminho contra a adversidade (e as intrigas) ganhando nesse percurso, pejado de traições e de perdas dolorosas, uma força interior proporcional à perda da inocência e da tal humanidade que de início o distinguem.
Por isso, Murena é uma história de (tentativa de) afirmação pessoal e de vingança (de sucessivas vinganças) que anda a par da expansão do cristianismo (abordada até agora de forma apenas ligeira e secundária), da destruição de Roma (na dupla condição de império e de cidade), de uma forma notável e cativante, quer pela escrita competente e desenvolta de Dufaux que construiu uma história com inúmeras ramificações que se vão entrelaçando, fazendo-a crescer em complexidade e capacidade de apaixonar, quer pelo traço realista de Delaby, servido por uma excelente gama cromática, cuja melhoria de tomo para tomo é notória.
O díptico agora em análise, a parte central do 2º ciclo desta saga, termina com Roma em chamas, embora não devido à loucura (cada vez mais patente) de Nero, mas como parte (involuntária) de uma vingança que os seus inimigos vão orquestrando na sombra. 
Nota final
Volta à questão dos álbuns duplos, que já aflorei no texto sobre Bouncer.
Se aplaudo a ideia de o 1º ciclo de Murena (tomos 1 a 4) ter sido concluído com um volume duplo incluído na colecção “Os Incontornáveis da Banda Desenhada”, distribuída com o jornal Público, questiono qual a lógica de ter editado o tomo #5 sozinho, juntando agora o #6 e o #7, o que deixa isolado o tomo #8 que conclui o segundo arco desta série.
Uma vez que a opção inicial não passou por dividi-lo por dois volumes – o que teria sido o ideal – não faria mais sentido, depois de editado o #5, tê-lo encerrado com um volume triplo…?

2 comentários:

  1. Excelente apreciação a uma das séries sobre a Roma antiga, particularmente sobre a época de Nero, que é fundamental ler e aprofundar em todas as suas vertentes, tanto gráficas e estéticas como históricas e narrativas.
    Quanto à questão dos volumes duplos, concordo consigo, Pedro, que o mais lógico teria sido a solução que propôs, embora um volume triplo saísse consideravelmente mais caro.
    Um abraço do
    Jorge Magalhães

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    1. Caro Jorge Magalhães,
      Uma vez mais apenas posso agradecer a gentileza das suas palavras.
      Concordo que um volume triplo seria muito caro; mais difícil é perceber porque não se optou por dois volumes duplos...
      Boas leituras!

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