28/10/2014

Chlorophylle: Embrouilles a Coquefredouille




Já o escrevi várias vezes: a retoma de séries clássicas franco-belgas por outros autores, se num primeiro momento é gratificante - partindo do princípio que é fiel ao espírito e às ideias do(s) seu(s) criador(es) - com o tempo torna-se perniciosa por esvaziar o original e transformar a série na soma (sempre menor) das sucessivas abordagens.
O melhor (mau) exemplo disto é Blake e Mortimer que há muito deixou de ser a obra pessoal clássica (por excelência) de Jacobs, para ser a soma dos contributos dele, mas também de Van Hamme, Ted Benoît, Yves Sente, André Juillard, etc., etc…
A justificação deste intróito vem já a seguir.


Apesar de acreditar no que atrás escrevi, quando soube do próximo (então…) regresso de Chlorophylle e Minimum, senti bem mais do que uma simples curiosidade.
Pela possibilidade do reencontro com uma das minhas séries preferida; também porque o argumento estava a cargo de Zidrou, um autor que aprendi a apreciar.
E na verdade, iniciada a leitura, as coisas até pareciam bem encaminhadas, mesmo que eu preferisse uma narrativa mais animalista e integralmente ambientada na floresta de Vale Tranquilo – sem os protagonistas vestidos, se não fosse pedir demais… - e não no reino de Coquefredouille.
A história começa quando Chlorophylle e Minimum são convidados para o 33.º Festival de Cinema de Coquefredouille, para assistirem à estreia de um filme baseado nas suas aventuras – clássicas, no que parecia uma óbvia homenagem à obra de Macherot - sem saberem que na sombra alguém conspira, mais uma vez, contra o rei Mitron XIII.
O relato, bem estruturada avança de forma consistente, com a acção a assumir diversos cenários em paralelo, com conseguidos apontamentos de humor e mesmo alguns achados –a  substituição de Minimum no filme por uma rapariga é um deles – mas aos poucos senti a magia a desaparecer.
O tom geral assume uma componente mais adulta – a começar pela aventura real que originou uma filha desconhecida – e até brejeira, com a assunção de algumas bandeiras recorrentes recentes de todo dispensáveis, que contribuem para despojar esta história de Chlorophylle do seu lado mais inocente – e saudável - que tanto me agradava e a tornam mais penosa do que algumas das continuações que surgiram quando Macherot abandonou (a revista Tintin e por consequência) a sua criação (para integrar a redacção da revista Spirou onde criou Sibyline).
A par disso, Godi, com um traço bem longe da naturalidade do do mestre, abusa dos grandes planos e dos planos americanos (planos de meio corpo), ‘aproximando’ (visualmente) as personagens do leitor e ‘agigantando’ os protagonistas. Em simultâneo, a excessiva humanização que foi provocada nos seus corpos – acentuada pelas roupas que utilizam – e que leva à perda das suas formas ‘mais animalescas’, contribuiu em definitivo para os expor sem o encanto que sentia por eles.
Por tudo isto, terminada a custo a leitura – que até tem um inspirado e completamente inesperado final o que, paradoxalmente, a tornaria muito interessante e aconselhável se os protagonistas fossem outros... – espero com sinceridade que esta (triste) retoma de Chlorophylle fique por aqui.
Pessoalmente, serviu-me de lição e voltar a Chlorophylle, só através da prazenteira (re)leitura das obras clássicas do grande Raymond Macherot.

Une aventure de Chlorophylle par Godi et Zidrou
Tome 1 : Embrouilles à Coquefredouille
Zidrou (argumento)
Godi (desenho)
Le Lombard
França, Setembro de 2014
222 x 295 mm, 48 p., cor, cartonado, 10,60 €

2 comentários:

  1. Bom dia
    Boa análise, com a qual me identifico.
    Felizmente, existem centenas de clássicos para reler, não valendo a pena gastar dinheiro em retomas fracas e comerciais.
    Gostaria que a Asa/Público publicasse mais obras de Macherot: "Le Furet Gastronome" (o único Clorofila que não chegou a ser publicado em português), a Sibylline (só as primeiras obras foram publicadas na 2ª série da revista Spirou) e o inédito Chaminou.
    Cumprimentos

    GP

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    Respostas
    1. Caro GP,
      Obrigado pelas suas palavras.
      Este tipo de comentários é muito compensador para quem escreve, pois são a confirmação de que alguém me lê...!

      Boas leituras!

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