Já o escrevi várias vezes: a retoma de séries clássicas
franco-belgas por outros autores, se num primeiro momento é gratificante -
partindo do princípio que é fiel ao espírito e às ideias do(s) seu(s) criador(es)
- com o tempo torna-se perniciosa por esvaziar o original e transformar a série
na soma (sempre menor) das sucessivas abordagens.
O melhor (mau) exemplo disto é Blake e Mortimer que há muito
deixou de ser a obra pessoal clássica (por excelência) de Jacobs, para ser a
soma dos contributos dele, mas também de Van Hamme, Ted Benoît, Yves Sente,
André Juillard, etc., etc…
A justificação deste intróito vem já a seguir.
Apesar de acreditar no que atrás escrevi, quando soube do
próximo (então…) regresso de Chlorophylle e Minimum, senti bem mais do que uma
simples curiosidade.
Pela possibilidade do reencontro com uma das minhas séries
preferida; também porque o argumento estava a cargo de Zidrou, um autor que aprendi
a apreciar.
E na verdade, iniciada a leitura, as coisas até pareciam bem
encaminhadas, mesmo que eu preferisse uma narrativa mais animalista e integralmente
ambientada na floresta de Vale Tranquilo – sem os protagonistas vestidos, se
não fosse pedir demais… - e não no reino de Coquefredouille.
A história começa quando Chlorophylle e Minimum são convidados
para o 33.º Festival de Cinema de Coquefredouille, para assistirem à estreia de
um filme baseado nas suas aventuras – clássicas, no que parecia uma óbvia
homenagem à obra de Macherot - sem saberem que na sombra alguém conspira, mais
uma vez, contra o rei Mitron XIII.
O relato, bem estruturada avança de forma consistente, com a
acção a assumir diversos cenários em paralelo, com conseguidos apontamentos de
humor e mesmo alguns achados –a substituição de Minimum no filme por uma
rapariga é um deles – mas aos poucos senti a magia a desaparecer.
O tom geral
assume uma componente mais adulta – a começar pela aventura real que originou
uma filha desconhecida – e até brejeira, com a assunção de algumas bandeiras recorrentes
recentes de todo dispensáveis, que contribuem para despojar esta história de
Chlorophylle do seu lado mais inocente – e saudável - que tanto me agradava e a
tornam mais penosa do que algumas das continuações que surgiram quando Macherot
abandonou (a revista Tintin e por consequência) a sua criação (para integrar a
redacção da revista Spirou onde criou Sibyline).
A par disso, Godi, com um traço bem longe da naturalidade do
do mestre, abusa dos grandes planos e dos planos americanos (planos de meio
corpo), ‘aproximando’ (visualmente) as personagens do leitor e ‘agigantando’ os
protagonistas. Em simultâneo, a excessiva humanização que foi provocada nos
seus corpos – acentuada pelas roupas que utilizam – e que leva à perda das suas
formas ‘mais animalescas’, contribuiu em definitivo para os expor sem o encanto
que sentia por eles.
Por tudo isto, terminada a custo a leitura – que até tem um inspirado
e completamente inesperado final o que, paradoxalmente, a tornaria muito interessante e aconselhável se os
protagonistas fossem outros... – espero com sinceridade que esta (triste) retoma
de Chlorophylle fique por aqui.
Pessoalmente, serviu-me de lição e voltar a Chlorophylle, só
através da prazenteira (re)leitura das obras clássicas do grande Raymond
Macherot.
Une aventure de Chlorophylle
par Godi et Zidrou
Tome 1 : Embrouilles à Coquefredouille
Zidrou (argumento)
Godi (desenho)
Le Lombard
França, Setembro de 2014
222 x 295 mm, 48 p., cor, cartonado, 10,60 €
Bom dia
ResponderEliminarBoa análise, com a qual me identifico.
Felizmente, existem centenas de clássicos para reler, não valendo a pena gastar dinheiro em retomas fracas e comerciais.
Gostaria que a Asa/Público publicasse mais obras de Macherot: "Le Furet Gastronome" (o único Clorofila que não chegou a ser publicado em português), a Sibylline (só as primeiras obras foram publicadas na 2ª série da revista Spirou) e o inédito Chaminou.
Cumprimentos
GP
Caro GP,
EliminarObrigado pelas suas palavras.
Este tipo de comentários é muito compensador para quem escreve, pois são a confirmação de que alguém me lê...!
Boas leituras!