Depois dos magníficos Voyage aux îles de la Désolation
e Un Printemps à Tchernobyl,
Emmanuel Lepage espraia de novo a sua arte sublime em novo documentário desenhado,
mas desta vez com um assinalável tom intimista.
Espreitem – e deslumbrem-se – já a seguir.
La Lune est blanche,
relato de uma viagem à Antártica, nasceu na sequência daquele primeiro livro,
que levou o director do instituto polar francês a convidar o desenhador Emmanuel
Lepage – e o seu irmão François, fotógrafo – a integrarem uma missão científica
na base francesa de Dumont d’Urville, na Terra Adélia, na Antártica, para
mostrarem – através das suas artes – o dia-a-dia naquelas regiões inóspitas. Durante
a preparação da expedição, surgiu a hipótese de os dois irmãos participarem
como motoristas na viagem de abastecimento da estação Concordia, situada no
coração daquele continente gelado, a 1200 km de Dumont d’Urville.
Convite aceite, com um contagiante entusiasmo juvenil, após
a euforia da partida, Lepage, ao longo de um longo flashback, narra como se
proporcionou aquela oportunidade de cumprir um sonho de infância e também toda
a preparação necessária para enfrentar o desafio.
Mas uma vez concretizada essa partida, com a viagem de barco
“vêm os enjoos, a incapacidade inicial de sair da cama", a obrigação de
comer - e beber - a todo o custo e, finalmente, aos poucos "como que
o regresso à vida, com a habituação ao embalo marítimo", a descoberta e a
convivência daqueles com quem vai partilhar as semanas seguintes, companheiros de
aventura que o desenhador vai mostrando e descrevendo.
Lepage entremeia igualmente apontamentos históricas como a
disputa entre o norueguês Roald Amundsen e o britânico Robert Falcon Scott pela
honra de serem os primeiros a atingir o Pólo Sul ou a tentativa (falhada) do
irlandês Ernest Shackleton de atravessar o sexto continente que me lembro de
ter lido na adolescência – como certamente muitos daqueles que agora lêem estas
linhas.
Como habitualmente, Lepage narra de forma sóbria e contida, num
registo humano, compondo um todo de forte pendor documental,
descrevendo/desenhando as personalidades e funções de cada um e os
acontecimentos quotidianos. Mas, desta vez – mais do que nos relatos anteriores
– o tom intimista surge reforçado, resultante do sonho prestes a concretizar-se
e das várias vezes em que ele quase foi posto em causa: pelo atraso inicial do
barco, preso nos gelos polares, que quase inviabilizou a viagem; por nova
prisão, já com os dois irmãos a bordo, que podia privá-los de integrarem a
expedição de abastecimento; finalmente pelos sucessivos atrasos que obrigaram a
que apenas um pudesse seguir nela.
É neste último momento, pela decisão a que a situação
obriga, que Emmanuel mais se expõe. Destinatário inicial do convite, tem de escolher
quem, entre ele e o irmão, fica na base ou parte na expedição – quem cumpre o
encargo e quem vive o sonho… - o que, no limite, poderá por em causa a boa
relação com François, seja qual for a decisão tomada, pois a mágoa ficará
sempre como fardo. Por isso, ao longo de
sucessivas páginas, sucedem-se a ansiedade, o desespero, a angústia, a dúvida, a incerteza e a decepção, com
uma força e uma intensidade surpreendentes e tocantes.
Essa força do relato, patente igualmente ao longo de todo o livro, é
reforçada pelo seu traço ultra-realista, detalhado e minucioso que por vezes explode
em belas vinhetas paisagísticas de página(s) inteira(s), que mostram muito
daquilo que o desenhador viu e em que surgem também, em contraponto, algumas
fotos do seu irmão, que vão ajudando a compor um retrato maior, tornando real
aos nossos olhos o cenário branco e gelado em que o relato decorre.
Desta forma, em La Lune est blanche, entre a reportagem desenhada (e fotografada) e
o diário (quase) íntimo, Lepage – os Lepage, pois também há foto-apontamentos
de François – constrói uma narrativa verídica, credível, apaixonada
e apaixonante mas também um relato intimista no qual é evidente que expõe muito do que passou e pensou, não gratuitamente mas em nome da entrega
total à sua obra, enquanto autor.
La Lune est blache
Emmanuel Lepage (texto e desenho)
François Lepage (texto e fotos)
Futuropolis
França, 9 de Outubro de 2014
230 x 325 mm, 256 p., cor, cartonado,
29,00 €
Por mero acaso, tinha-o encomendado hoje, após alguns dias de hesitação, já que ainda tenho aí o Tchernobyl à espera de leitura :-( Também por acaso, no Natal de há 3 anos vi o Voyage aux îles de la Désolation, encomendado por um cliente que lá o "abandonou". Ignorância ou mero descuido, fez a minha felicidade :-)
ResponderEliminarVi...na FNAC do Chiado.
ResponderEliminarOlá Rui,
EliminarSão três boas leituras - e também três deslumbres visuais - que aconselho vivamente.
Boas leituras!