13/04/2015

Le Confesseur Sauvage












Acidentes nucleares, meteoritos radioactivos ou outro género de acidentes (felizmente) nem sempre dão origem a super-heróis, embora possam ter efeitos secundários (no mínimo) surpreendentes.
Foi o que aconteceu em Tchernobourg…


Tudo começou quando, certa noite, por razões não explicadas, a Lua se desfez em fragmentos e um imenso pedaço – um autêntico e verdadeiro quarto decrescente – se abateu sobre a central nuclear da cidade de Tchernobourg.
Em consequência do desastre natural, agravado pela fuga radioactiva consequente, grande parte da população sofreu mutações estranhas e (quase) inenarráveis.
Quase, escrevi atrás, porque Philippe Foerster decidiu relatar-nos alguns desses casos, em histórias com cerca de uma vintena de páginas que, fossem os tempos outro, poderiam brilhar nas páginas de alguma revista de BD – e Foerster fez boa parte do seu percurso nas páginas da (ainda resistente) Fluide Glacial.
De qualquer forma, por aquilo que têm em comum – o cenário, o ponto de partida e a personagem que as desencadeia – mas também pela sua diversidade e originalidade, as cinco bandas desenhadas reunidas neste álbum, funcionam perfeitamente neste formato, até pela abordagem diferente que o autor exibe em cada uma.
Na sua origem, está uma personagem, um ‘homem-polvo’ contra sua vontade transformado em padre fora do comum, pois adquiriu um singular poder: mal se aproxima de um dos seus conterrâneos, um dos seus tentáculos passa por cima do ombro dele e leva-o a confessar erros, acontecimentos e desejos.
É-nos assim desvendado um pouco do que aconteceu a diversos habitantes de Tchernobourg, sejam eles uma enorme lagarta que anseia participar num reality show, o homem pacato e amante platónico cujas mãos se transformam progressivamente em duas letais aranhas da espécie viúva negra, um assassino de aberrações que sonha matar quem as imaginou a todas, um menino mimado cuja raiva se transforma em onomatopeias que ficam suspensas no ar ou um devorador de almas posto ao serviço da sua mãe, dependente de drogas.
O tom dos relatos é também comum: ligeiramente poéticos e tristes, com um toque de humor negro sarcástico e de desilusão com a sociedade, entre o horror e o terror. Isso é acentuado pelo traço caricatural de Foerster, que exibe os estranhos seres mutantes da cidade e deforma acentuadamente também aqueles que nada (aparentemente) sofreram, e pelo uso de um preto e branco feito de contrastes e com os volumes e sombras a serem obtidos através da aplicação de uma única cor - frias, impessoais – em cada narrativa.

Le Confesseur Sauvage
Collection Mil Feuilles
Philippe Foerster
Glénat
Suíça, 4 de Março de 2015
215 x 288 mm, 104 p., pb+1 cor, cartonado
22,00 €

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