Acidentes nucleares, meteoritos radioactivos ou outro género
de acidentes (felizmente) nem sempre dão origem a super-heróis, embora possam
ter efeitos secundários (no mínimo) surpreendentes.
Foi o que aconteceu em Tchernobourg…
Tudo começou quando, certa noite, por razões não explicadas, a Lua se desfez em
fragmentos e um imenso pedaço – um autêntico e verdadeiro quarto decrescente – se abateu sobre a central nuclear da cidade de Tchernobourg.
Em consequência do desastre natural, agravado pela fuga
radioactiva consequente, grande parte da população sofreu mutações estranhas e (quase)
inenarráveis.
Quase, escrevi atrás, porque Philippe Foerster decidiu relatar-nos
alguns desses casos, em histórias com cerca de uma vintena de páginas que,
fossem os tempos outro, poderiam brilhar nas páginas de alguma revista de BD –
e Foerster fez boa parte do seu percurso nas páginas da (ainda resistente) Fluide Glacial.
De qualquer forma, por aquilo que têm em comum – o cenário, o
ponto de partida e a personagem que as desencadeia – mas também pela sua
diversidade e originalidade, as cinco bandas desenhadas reunidas neste álbum,
funcionam perfeitamente neste formato, até pela abordagem diferente que o autor
exibe em cada uma.
Na sua origem, está uma personagem, um ‘homem-polvo’ contra
sua vontade transformado em padre fora do comum, pois adquiriu um singular
poder: mal se aproxima de um dos seus conterrâneos, um dos seus tentáculos
passa por cima do ombro dele e leva-o a confessar erros, acontecimentos e
desejos.
É-nos assim desvendado um pouco do que aconteceu a diversos
habitantes de Tchernobourg, sejam eles uma enorme lagarta que anseia participar
num reality show, o homem pacato e amante platónico cujas mãos se transformam
progressivamente em duas letais aranhas da espécie viúva negra, um assassino de
aberrações que sonha matar quem as imaginou a todas, um menino mimado cuja
raiva se transforma em onomatopeias que ficam suspensas no ar ou um devorador
de almas posto ao serviço da sua mãe, dependente de drogas.
O tom dos relatos é também comum: ligeiramente poéticos e
tristes, com um toque de humor negro sarcástico e de desilusão com a sociedade,
entre o horror e o terror. Isso é acentuado pelo traço caricatural de Foerster,
que exibe os estranhos seres mutantes da cidade e deforma acentuadamente também
aqueles que nada (aparentemente) sofreram, e pelo uso de um preto e branco
feito de contrastes e com os volumes e sombras a serem obtidos através da
aplicação de uma única cor - frias, impessoais – em cada narrativa.
Le Confesseur Sauvage
Collection Mil Feuilles
Philippe Foerster
Glénat
Suíça, 4 de Março de 2015
215 x 288 mm, 104 p., pb+1 cor, cartonado
22,00 €
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