Este é um romance (gráfico) de construção clássica, cuja
acção decorre na década de 1930.
O seu protagonista é Sir Melvin Woodworth um bem-sucedido escritor
- possivelmente não poderia ter outra profissão… - em busca de inspiração para
o seu terceiro romance.
Inspiração que busca nas majestosas e imponentes paisagens
alpinas do Valais, que servem de fronteira natural entre a Suíça – onde se
desenrola a maior parte da narrativa – e a Itália, que, primeiro, lhe servirá de
porto de abrigo e, depois, de porta para a descoberta de um novo mundo.
A escolha daquele local, recanto do paraíso perdido no
espaço e no tempo, que vive os seus últimos dias devido á ameaça de um glaciar
deslizante, não foi fortuita, pois Sir Melvin procura também saber mais sobre o
percurso do seu meio-irmão mais velho, Dragan, já desaparecido, pianista e
aventureiro, cujo exemplo seguiu na saída da casa paterna para ir atrás dos
seus sonhos, e cujas últimas notícias chegaram daquela zona.
Procura-o, guiado por antigas referências, sem saber que
mais do que mergulhar nas suas memórias, fará um percurso paralelo, embora
naturalmente deslocado no tempo, quase trilhando os mesmos passos do seu irmão,
o seu Peter Pan, figura tutelar e inspiração assumida cuja sombra – a palavra
foi conscientemente escolhida - esvoaça por toda a obra.
Aliás, a obra de J. M. Barrie – o “Peter Pan” original – nos
anos 30 ainda não celebrizada através da (mais) delicodoce versão animada dos
estúdios de Walt Disney, tem influência determinante neste romance, pois são
citações dessa obra que abrem cada capítulo e, de alguma forma, balizam os seus
desenvolvimentos.
Para além da busca da inspiração e do rasto do irmão – e, inerentemente,
de alguma forma, de si próprio – há também um confronto – submisso, respeitoso e
maravilhado – com a Natureza, cuja acção, aliás, acabará por ser determinante
para o desfecho desta história. Por isso, sucedem-se os longos passeios
contemplativos, a que não faltam – intuímos nós leitores - o admirar do brilho
do sol nas montanhas geladas, o escutar dos sons dos animais ou o desfrutar dos
cheiros das plantas.
Tudo realçado pela utilização de uma planificação
diversificada, com os enquadramentos a multiplicarem-se para revelarem a
imponência das paisagens alpinas, o protagonismo das montanhas cobertas de neve
e uma paleta de cores suaves assumidamente limitada – aos tons brancos, azuis,
laranjas e cinzentos – que realçam os sentimentos e as emoções, muitas vezes
sem necessidade de recorrer aos diálogos, frequentemente substituídos por um
silêncio que se mostra tão ou mais revelador.
Neste romance gráfico de inspiração clássica – patente na
gestão pausada do tempo da acção, na relação que nele o(s) homem(ns)
estabelece(m) com a Natureza ou no desfecho final, que me abstenho de adjectivar
ou comentar para não retirar prazer à leitura – marcam também presença, de
forma indelével, duas outras personagens cuja acção e destino são fundamentais
para o seu desenrolar e para o seu desfecho.
O primeiro, é o velho Baptistin, figura marcante e tutelar,
lenda viva – e quase herói… - local, contrabandista, falsário e anarquista,
exemplo de autodeterminação e de perseguidor da liberdade, cujos sonhos
comandaram a sua vida e cujo exemplo marcará – de forma similar, embora em
momentos diferentes – a vida dos dois irmãos. E cujo fim, é uma metáfora –
tristemente? – irónica que ilustra como tantas vezes atingimos – só em sonhos?
- os sonhos que passamos a vida a perseguir…
A par dele, por razões que deixo aos leitores descobrirem, -
de algum modo como complemento mas também como contraponto - está a bela
Evolena, que aparece na vida de Sir Melvin quase como miragem ou visão feérica no
meio da imensidão da montanha, prendendo de imediato a sua atenção. Ingénua –
enquanto o deseja -, refrescante e sedutora, com o seu riso cristalino, o seu
à-vontade e a sua vivacidade, faz com que ele recentre a sua vida, elegendo um
novo alvo para a sua busca e novos objectivos, levando-o a perceber que por
vezes é necessário redescobrir o passado para poder escrever o futuro.
É este trio – que a sombra de Dragan (leia-se Peter Pan…?)
transforma em quarteto – que protagoniza um relato simples, calmo e tranquilo, com
um toque de onírico, que é uma ode ao ser humano, ao amor, à amizade e à sua
relação com a Natureza, na sua busca - que se revela legítima – da felicidade.
(Extracto da introdução escrita para o livro)
Em busca de Peter Pan
Cosey
Levoir/Público
Portugal, 16 de Abril de 2015
210 x 270 mm, 140 p., cor
capa dura, 9,90 €
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