10/12/2015

Astérix: O Papiro de César








Assumir um herói clássico de banda desenhada comporta sempre um elevado risco – acrescido quando esse herói se chama Astérix (ou Corto Maltese)…
E, nesses casos, é - será? - inevitável que a apreciação de cada novo livro tenha sempre como ponto de partida algo do género: é melhor que os de Uderzo, é o melhor dos últimos anos, em relação aos de Goscinny…
No caso de O Papiro de César, isso será demasiado redutor.

Claro que a comparação é inevitável e de certeza os autores estavam cientes disso. Astérix é um monumento da banda desenhada, com um enorme lastro emocional, de originalidade, e, muitas vezes, de genialidade, e na memória dos que o leram começando pela fase de Goscinny – quando possível na época de publicação original - ainda está – estará sempre – demasiado fresco e impressivo.
Mas, posto isto, a verdade é que o novo livro de Ferri e Conrad sustenta-se por si msmo. Tem uma história bem escrita, fluída, divertida e consistente – mais do que Astérix entre os Pictos que marcou a sua estreia – e reúne as características que marcaram o percurso do pequeno guerreiro gaulês: dois níveis de leitura, humor inteligente, ancoragem na actualidade, base histórica, consistência na continuidade, recorrência de gags, personagens e situações. E, como extra – que obviamente não estava ao alcance de Goscinny – diversas pequenas homenagens à obra original e aos seus autores.
Como ponto de partida, está A Guerra das Gálias, o livro que Júlio César (realmente) escreveu e a eliminação – por razões políticas - de um dos seus capítulos, aquele que fazia referência aos sucessivos desaires sofridos pelos romanos face “à aldeia povoada por gauleses irredutíveis” que “resiste ainda e sempre ao invasor”. Daqui, Ferri e Conrad partem para um enredo recheado de alusões à publicidade, ao jornalismo, à investigação que lhe está inerente, às fugas de informação e às novas tecnologias sem que isso soe estranho ou incómodo apesar dos óbvios anacronismos e apresentam duas personagens fortes: o 'censor' Bonus Vendetus (com a fisionomia do publicitário Jaques Séguéla) e o 'caçador de furos jornalísticos' Gerapolémix (inspirado em Julian Assange).
Quanto a Conrad, é notório como já está bem mais à vontade no tratamento gráfico das personagens – o tempo disponível para a realização deste álbum foi superior ao anterior, que já lhe serviu de prática – dotando-as da sua marca pessoal sem que de alguma forma isso implique uma quebra com a (soberba) marca gráfica de Uderzo. Com uma - evidente – excepção, a redução do número de riscas nas calças de Obélix!
Por tudo isto, O Papiro de César tem todas as condições para cumprir os seus objectivos: prolongar Astérix no tempo, satisfazer (velhos e) novos leitores e levar estes a mergulhar no vasto e magnífico fundo de catálogo da série.
Não sendo pouco, deixa ainda a - fundada - esperança que mais possa advir no futuro.

Astérix #36: O Papiro de César
Ferri (argumento)
Conrad (desenho)
ASA
Portugal, 22 de Outubro de 2015
225 x 295 mm, 48 p., cor, cartonado
12,90 €

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