Assumir um herói clássico de banda desenhada comporta sempre
um elevado risco – acrescido quando esse herói se chama Astérix (ou Corto
Maltese)…
E, nesses casos, é - será? - inevitável que a apreciação de
cada novo livro tenha sempre como ponto de partida algo do género: é melhor que
os de Uderzo, é o melhor dos últimos anos, em relação aos de Goscinny…
No caso de O Papiro de
César, isso será demasiado redutor.
Claro que a comparação é inevitável e de certeza os autores
estavam cientes disso. Astérix é um monumento da banda desenhada, com um enorme
lastro emocional, de originalidade, e, muitas vezes, de genialidade, e na memória
dos que o leram começando pela fase de Goscinny – quando possível na época de
publicação original - ainda está – estará sempre – demasiado fresco e
impressivo.
Mas, posto isto, a verdade é que o novo livro de Ferri e
Conrad sustenta-se por si msmo. Tem uma história bem escrita, fluída, divertida
e consistente – mais do que Astérix
entre os Pictos que marcou a sua estreia – e reúne as características
que marcaram o percurso do pequeno guerreiro gaulês: dois níveis de leitura,
humor inteligente, ancoragem na actualidade, base histórica, consistência na
continuidade, recorrência de gags, personagens e situações. E, como extra – que
obviamente não estava ao alcance de Goscinny – diversas pequenas homenagens à
obra original e aos seus autores.
Como ponto de partida, está A Guerra das Gálias, o livro que Júlio César (realmente) escreveu e
a eliminação – por razões políticas - de um dos seus capítulos, aquele que
fazia referência aos sucessivos desaires sofridos pelos romanos face “à aldeia povoada
por gauleses irredutíveis” que “resiste ainda e sempre ao invasor”. Daqui, Ferri
e Conrad partem para um enredo recheado de alusões à publicidade, ao jornalismo, à
investigação que lhe está inerente, às fugas de informação e às novas
tecnologias sem que isso soe estranho ou incómodo apesar dos óbvios
anacronismos e apresentam duas personagens fortes: o 'censor' Bonus Vendetus (com a fisionomia do publicitário Jaques Séguéla) e o 'caçador de furos jornalísticos' Gerapolémix (inspirado em Julian Assange).
Quanto a Conrad, é notório como já está bem mais à vontade
no tratamento gráfico das personagens – o tempo disponível para a realização deste
álbum foi superior ao anterior, que já lhe serviu de prática – dotando-as da
sua marca pessoal sem que de alguma forma isso implique uma quebra com a (soberba)
marca gráfica de Uderzo. Com uma - evidente – excepção, a redução do número de
riscas nas calças de Obélix!
Por tudo isto, O Papiro
de César tem todas as condições para cumprir os seus objectivos: prolongar
Astérix no tempo, satisfazer (velhos e) novos leitores e levar estes a
mergulhar no vasto e magnífico fundo de catálogo da série.
Não sendo pouco, deixa ainda a - fundada - esperança que
mais possa advir no futuro.
Astérix #36: O Papiro de César
Ferri (argumento)
Conrad (desenho)
ASA
Portugal, 22 de Outubro de 2015
225 x 295 mm, 48 p., cor, cartonado
12,90 €
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