Desajustado e até racista…
‘Provocação’
poderia ser outro título desta leitura crítica de uma edição muito ansiada
pelos admiradores brasileiros de Tex, que conta com mais uma colecção
centenária.
Como não podia deixar de ser, o número #100 - e que magia
estes números continuam a ter para quem é leitor de revistas periódicas - da
colecção Tex Edição Histórica - que
publica histórias marcantes do herói criado por Gianluigi Bonelli e Aurelio
Galleppini no já distante ano de 1948 - apresenta as suas páginas as cores.
Com o colorido mecânico Bonelli, como não podia deixar de
ser, mas que curiosamente funciona de forma díspar nas duas histórias ‘curtas’ -
para os padrões texianos - devido ao traço diferente que o mesmo artista -
Galleppini - apresenta nos dois relatos - embora quase se pudesse pensar
tratar-se de dois desenhadores diferentes. No primeiro, o traço é detalhado,
pormenorizado, com muita atenção aos detalhes; no segundo, apresenta-se mais
solto, mais livre, mesmo trabalhado…

O conteúdo
Número centenário, esta edição apresenta duas histórias
muito significativas da cronologia de Tex, embora por razões diferentes.
A abrir, encontramos O
Ídolo de Cristal, publicada em 1980 pela Editora Vecchi, a preto e branco,
num álbum de grande formato, muito cobiçado pelos colecionadores.
A segunda, Forte
Apache, apresenta duas curiosidades: foi a primeira história colorida do
ranger e junta num mesmo relato, para além de Tex, Carson, Kit e Tigre, também
Jim Brandon, Gros-Jean e Pat Mac Ryan.
As histórias


Quanto a O Ídolo de
Cristal, se apresenta um enredo simples - Tex e os seus amigos perseguem um
bando de índios hualpais que atacaram um feiticeiro navajo e roubaram um
pequeno ídolo - está bem construída, em crescendo, com sucessivos picos de
tensão dramática. Caso raro em Tex, permite a Galleppini desenhar diversas
vezes belas e sensuais mulheres, pouco vestidas para a época (de publicação).
E apresenta um Tex diferente daquele que tantos estão
habituados a quase endeusar. Se o sentido de justiça, a determinação e a
dedicação aos seus amigos é o mesmo, a sua reacção face ao acontecido revela-se
desajustada e o seu comportamento pode mesmo ser considerado racista e
xenófobo. Na verdade, ao saberem do ataque ao feiticeiro navajo, os epítetos
que surgem nas bocas de Tex e Carson são do género “Só cães como eles…”, “lobos
Hualpais”, “que o diabo carregue todos os hualpais”, “aquales ladrões”,
“aqueles macacos”, longe do que seria de esperar de um reconhecido amigo dos
índios. Não coloca sequer a hipótese de se tratar de um pequeno bando, a
acusação abrange logo toda a nação hualpai. Só falta mesmo dizer que “um
hualpai bom, é um hualpai morto”…
Que, não o expressando, Tex, Carson, Kit e Tigre põem afincadamente
em prática pois entre a recuperação do ídolo roubado, o salvamento de uma jovem
hualpai que ia ser sacrificada aos deuses - e é levada para a aldeia navajo
para um destino ainda pior, a julgar pelo racismo demonstrado? - e a fuga, pelo
menos umas quatro dezenas de hualpais, números apurados numa contabilidade
superficial por baixo, partem ‘para os territórios das grandes caçadas eternas’
- ou possivelmente só mesmo para o inferno, a julgar pela forma como foram tratados
em todo o relato…
Se optei por uma análise pela óptica da provocação, esta
abordagem da genial dupla Bonelli/Galep mais não é do que reflexo da época em
que foi criada e publicada, quando o politicamente correcto ainda não tinha
sido inventado e em que à aventura (neste caso aos quadradinhos) só se pedia um
herói forte e afirmativo e muita acção.
Tex Edição Histórica #100
Giovanni Luigi Bonelli (argumento)
Aurelio Galleppini (desenho)
Mythos Editora
Brasil, Abril de 2017
135 x 175 mm, 226 p., cor, capa mole
R$ 27,90 / 10,00 €
(clicar nas imagens para as aproveitar em toda a sua
extensão)
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