20/06/2017

Tex Edição Histórica #100

Desajustado e até racista…







Provocação’ poderia ser outro título desta leitura crítica de uma edição muito ansiada pelos admiradores brasileiros de Tex, que conta com mais uma colecção centenária.

A edição
Como não podia deixar de ser, o número #100 - e que magia estes números continuam a ter para quem é leitor de revistas periódicas - da colecção Tex Edição Histórica - que publica histórias marcantes do herói criado por Gianluigi Bonelli e Aurelio Galleppini no já distante ano de 1948 - apresenta as suas páginas as cores.
Com o colorido mecânico Bonelli, como não podia deixar de ser, mas que curiosamente funciona de forma díspar nas duas histórias ‘curtas’ - para os padrões texianos - devido ao traço diferente que o mesmo artista - Galleppini - apresenta nos dois relatos - embora quase se pudesse pensar tratar-se de dois desenhadores diferentes. No primeiro, o traço é detalhado, pormenorizado, com muita atenção aos detalhes; no segundo, apresenta-se mais solto, mais livre, mesmo trabalhado…
Numa edição bem impressa - o que pontualmente não tem acontecido na Mythos - deveria ter havido mais cuidado com os textos de apoio - possivelmente recuperados de outras edições… - que mais de uma vez remetem para imagens que esta edição não apresenta…

O conteúdo
Número centenário, esta edição apresenta duas histórias muito significativas da cronologia de Tex, embora por razões diferentes.
A abrir, encontramos O Ídolo de Cristal, publicada em 1980 pela Editora Vecchi, a preto e branco, num álbum de grande formato, muito cobiçado pelos colecionadores.
A segunda, Forte Apache, apresenta duas curiosidades: foi a primeira história colorida do ranger e junta num mesmo relato, para além de Tex, Carson, Kit e Tigre, também Jim Brandon, Gros-Jean e Pat Mac Ryan.

As histórias
Comecemos por Forte Apache. Se o grande atractivo era juntar numa mesma aventura Tex e alguns dos seus coadjuvantes regulares, o resultado apresenta-se decepcionante. Chamados pelo ranger - porquê? - para o ajudar a destruir (literalmente) um bando de apaches sediados no México, responsável por diversos ataques e raptos, Gros-Jean, Ryan e Brandon pouco mais são do que meros figurantes. Este último, frisa bem estar ali a título pessoal e não oficialmente, mas não se coíbe de ostentar o uniforme da Polícia Montada do Canadá ao longo de toda a história.
História cujo desfecho a duas ou três páginas do final ainda estava completamente em aberto, até Bonelli se aperceber que o espaço disponível estava a acabar, terminando-a abruptamente. E cuja leitura revela que, com excepção de Tex e Carson, se substituíssemos os restantes protagonistas (?) por fiéis navajos ou facínoras regenerados - como tantas vezes ocorre nesta série - o resultado seria exactamente o mesmo, com a vantagem extra de se poder matar dois ou três deles - em nome da amizade e dedicação ou como redenção… - e aumentar assim a carga dramática da narrativa…
Quanto a O Ídolo de Cristal, se apresenta um enredo simples - Tex e os seus amigos perseguem um bando de índios hualpais que atacaram um feiticeiro navajo e roubaram um pequeno ídolo - está bem construída, em crescendo, com sucessivos picos de tensão dramática. Caso raro em Tex, permite a Galleppini desenhar diversas vezes belas e sensuais mulheres, pouco vestidas para a época (de publicação).
E apresenta um Tex diferente daquele que tantos estão habituados a quase endeusar. Se o sentido de justiça, a determinação e a dedicação aos seus amigos é o mesmo, a sua reacção face ao acontecido revela-se desajustada e o seu comportamento pode mesmo ser considerado racista e xenófobo. Na verdade, ao saberem do ataque ao feiticeiro navajo, os epítetos que surgem nas bocas de Tex e Carson são do género “Só cães como eles…”, “lobos Hualpais”, “que o diabo carregue todos os hualpais”, “aquales ladrões”, “aqueles macacos”, longe do que seria de esperar de um reconhecido amigo dos índios. Não coloca sequer a hipótese de se tratar de um pequeno bando, a acusação abrange logo toda a nação hualpai. Só falta mesmo dizer que “um hualpai bom, é um hualpai morto”…
Que, não o expressando, Tex, Carson, Kit e Tigre põem afincadamente em prática pois entre a recuperação do ídolo roubado, o salvamento de uma jovem hualpai que ia ser sacrificada aos deuses - e é levada para a aldeia navajo para um destino ainda pior, a julgar pelo racismo demonstrado? - e a fuga, pelo menos umas quatro dezenas de hualpais, números apurados numa contabilidade superficial por baixo, partem ‘para os territórios das grandes caçadas eternas’ - ou possivelmente só mesmo para o inferno, a julgar pela forma como foram tratados em todo o relato…

Se optei por uma análise pela óptica da provocação, esta abordagem da genial dupla Bonelli/Galep mais não é do que reflexo da época em que foi criada e publicada, quando o politicamente correcto ainda não tinha sido inventado e em que à aventura (neste caso aos quadradinhos) só se pedia um herói forte e afirmativo e muita acção.

Tex Edição Histórica #100
Giovanni Luigi Bonelli (argumento)
Aurelio Galleppini (desenho)
Mythos Editora
Brasil, Abril de 2017
135 x 175 mm, 226 p., cor, capa mole
R$ 27,90 / 10,00 €

(clicar nas imagens para as aproveitar em toda a sua extensão)

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