Adaptar
Tenho tido uma relação desigual com as obras de Marcelo
Quintanilha.
Descobri-o - agradavelmente - em Sábado dos meus amores (2009), reencontrei-o no muito interessante Tungsténio
(2014), fiquei deslumbrado com o avassalador Talco de Vidro (2015) e, depois, desiludido com Hinário Nacional (2016).
O Ateneu (2012), um
regresso ao passado criativo do autor pela Polvo, é uma adaptação literária que
proporcionou o ‘nosso’ reencontro mais recente.
[Abro aqui um parêntesis. Não tenho nada contra adaptações em
BD de livros, filmes… mas acho que há (pelo) menos dois princípios que importa
cumprir: ser fiel ao espírito da obra original e tornar a adaptação uma obra
autónoma em banda desenhada, cumprindo os ‘princípios básicos’ desta forma
narrativa.]
No seguimento do que escrevi atrás, começando pelo segundo
aspecto, O Ateneu apresenta desde
logo um problema: Quintanilha optou por manter o texto original de Raul Pompeia
(1863-1895), o que desde logo constitui uma dupla limitação, pois é
completamente diferente escrever em prosa ou para banda desenhada, na linguagem
de hoje ou na que era utilzada há quase século e meio. De alguma forma o autor
contornou a (primeira) questão, pela forma como dividiu e distribuiu o texto
pelas vinhetas, mas isso não impede que em algumas passagens texto escrito e
desenho não funcionem como um todo, havendo mesmo casos em que aquele quase
oculta o segundo.
Quanto à fidelidade ao original - se de alguma forma a utilização
do texto de Pompeia para isso contribui - penso que ela foi conseguida, com
Marcelo Quintanilha a explorar graficamente os subentendidos da narrativa de 1888,
sem nunca tornar explícitas as insinuações, os sentidos dúbios, as referências
e as alusões desta história passada num colégio interno para rapazes.
A opção por um grafismo diferente - algo que Quintanilha tem
feito regularmente, adequando o seu traço a cada relato - aqui mais barroco e
algo indefinido, a que se acrescenta a opção por vinhetas de pequenas dimensões,
muitas vezes preenchidas apenas com grandes planos ou pormenores ampliados,
ajuda a compor o tom, acentuando a ‘confidencialidade’ que perpassa pelo texto
original.
Exploração de relacionamentos - e de relações? -, de
descobertas e de crescimentos controlados e orientados, de desejos recalcados e
de vinganças sofridas, de ostentação de orgulhos ou de ocultação de O Ateneu acaba por ser -
hoje como então - um retrato forte e impressivo de uma época, de uma realidade
e de uma forma de estar, por um lado estranha aos dias e aos valores que correm,
mas que numa segunda leitura revela mais pontos de contacto do que estaríamos
possivelmente à espera.
vergonhas e
humilhações,
O Ateneu
Marcelo Quintanilha
A partir do texto de
Raul Pompeia
Polvo
Portugal, Novembro de 2017
190 x 260 mm, 84 p., cor, capa mole com badanas
ISBN: 978-989-8513-73-1
13,99 €
(imagens retiradas de Granadilha Semanal, o blog de Marcelo Quintanilha; clicar nelas para as aproveitar em toda a sua extensão)
Sem comentários:
Enviar um comentário