09/02/2018

O Ateneu


Adaptar

Tenho tido uma relação desigual com as obras de Marcelo Quintanilha.
Descobri-o - agradavelmente - em Sábado dos meus amores (2009), reencontrei-o no muito interessante Tungsténio (2014), fiquei deslumbrado com o avassalador Talco de Vidro (2015) e, depois, desiludido com Hinário Nacional (2016).
O Ateneu (2012), um regresso ao passado criativo do autor pela Polvo, é uma adaptação literária que proporcionou o ‘nosso’ reencontro mais recente.

[Abro aqui um parêntesis. Não tenho nada contra adaptações em BD de livros, filmes… mas acho que há (pelo) menos dois princípios que importa cumprir: ser fiel ao espírito da obra original e tornar a adaptação uma obra autónoma em banda desenhada, cumprindo os ‘princípios básicos’ desta forma narrativa.]

No seguimento do que escrevi atrás, começando pelo segundo aspecto, O Ateneu apresenta desde logo um problema: Quintanilha optou por manter o texto original de Raul Pompeia (1863-1895), o que desde logo constitui uma dupla limitação, pois é completamente diferente escrever em prosa ou para banda desenhada, na linguagem de hoje ou na que era utilzada há quase século e meio. De alguma forma o autor contornou a (primeira) questão, pela forma como dividiu e distribuiu o texto pelas vinhetas, mas isso não impede que em algumas passagens texto escrito e desenho não funcionem como um todo, havendo mesmo casos em que aquele quase oculta o segundo.
Quanto à fidelidade ao original - se de alguma forma a utilização do texto de Pompeia para isso contribui - penso que ela foi conseguida, com Marcelo Quintanilha a explorar graficamente os subentendidos da narrativa de 1888, sem nunca tornar explícitas as insinuações, os sentidos dúbios, as referências e as alusões desta história passada num colégio interno para rapazes.
A opção por um grafismo diferente - algo que Quintanilha tem feito regularmente, adequando o seu traço a cada relato - aqui mais barroco e algo indefinido, a que se acrescenta a opção por vinhetas de pequenas dimensões, muitas vezes preenchidas apenas com grandes planos ou pormenores ampliados, ajuda a compor o tom, acentuando a ‘confidencialidade’ que perpassa pelo texto original.
Exploração de relacionamentos - e de relações? -, de descobertas e de crescimentos controlados e orientados, de desejos recalcados e de vinganças sofridas, de ostentação de orgulhos ou de ocultação de O Ateneu acaba por ser - hoje como então - um retrato forte e impressivo de uma época, de uma realidade e de uma forma de estar, por um lado estranha aos dias e aos valores que correm, mas que numa segunda leitura revela mais pontos de contacto do que estaríamos possivelmente à espera.
vergonhas e humilhações,

O Ateneu
Marcelo Quintanilha
A partir do texto de Raul Pompeia
Polvo
Portugal, Novembro de 2017
190 x 260 mm, 84 p., cor, capa mole com badanas
ISBN: 978-989-8513-73-1
13,99 €

(imagens retiradas de Granadilha Semanal, o  blog de Marcelo Quintanilha; clicar nelas para as aproveitar em toda a sua extensão)

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