08/03/2018

Torpedo 1972


Velho








Envelhecer é uma treta - e a questão da 'arte' outra treta, não controlamos (praticamente) nada. Envelhecer conscientemente pode ser assustador. Envelhecer é algo que nenhum de nós quer, mas que - no fundo - todos nós desejamos - porque a alternativa é ainda mais assustadora.
Torpedo envelheceu bem. Ou mal. Ou ambos. Torpedo envelheceu mau.

Mau como sempre foi. E azedo. E amoral. E violento. E vingativo. E ressabiado. E egoísta. E…
Depois de cinco - magníficos - volumes - das edições de BD mais aconselháveis dos últimos anos em Portugal - que compilaram as aventuras originais de Luca ‘Torpedo’ Torelli, nos conturbados anos 1930 - e também, aqui e ali, num passado um pouco mais distante, agora reencontramos Torpedo 36 anos depois. Em 1972.
Reencontramo-lo igual, ou quase.
Quase, porque está - embora de forma não permanente - numa cadeira de rodas, porque ouve pior, por que tem Parkinson - o que se revelará um achado, talvez o único verdadeiro achado deste regresso.
Igual, porque - como já escrevi atrás - continua intratável, continua vingativo, continua violento, continua um mulherengo, e um machista - que ironia, digna de Abuli, a publicação deste álbum no Dia Internacional da Mulher! - e a tratar mal os inimigos - e os amigos. Continua ele próprio.
A prova, é que esta história, em que Abuli o recuperou, com ligeiros retoques - de botox, concedo! - poderia ter sido narrada há 36 anos. A contar para trás de hoje ou de 1972. Até porque, alguns dos acontecimentos são recorrentes, emulam a ‘papel químico’ (em 1936) ou em ‘copy/paste’ (hoje) situações que o pistoleiro já viveu. Evocam-nas, repetem-nas, piscando-nos o olho à memória - ‘onde é que eu já vi isto - , surpreendendo-nos - talvez não, mas sim - pela forma como (em 1972) são resolvidas.
A escrita de Abuli continua ácida, forte, com um humor muito negro, sempre politicamente incorrecto - o que é uma lufada de ar fresco (ou pestilento?) nos tempos que (hoje) correm. Faltou um pouco mais - para lá da Parkinson? A mim pareceu-me que sim, eu queria mais, queria um melhor envelhecimento - se bem que este não seja mau; mau é Luca Torelli. E Abuli - na sua velhice, na de Torelli, entenda-se - não pretende de forma alguma desculpá-lo ou justifica-lo. É assim que ele é - foi assim que ele foi - pelas condicionantes da vida, pelas condicionantes íntimas intrínsecas, pelos tempos que viveu - apenas porque é mau - e só nos resta apreciá-lo tal e qual. Em 1936, em 1972, em 2018.
Para isso - para o melhor e o pior - contribui o traço de Eduardo Risso, que recebeu o pesado fardo de desenhar esta história que os desentendimentos entre Abuli e Bernet impediram que tivesse a mesma equipa criativa do original. Estou dividido, porque não quero ser injusto para Risso. O seu trabalho gráfico mantém a qualidade que lhe (re)conhecemos, a alteração do modelo de planificação, torna a narrativa mais fluída e dinâmica e atenua os problemas de ligação e continuidade que as histórias longas de Torpedo sempre tiveram. O protagonista é facilmente - sempre - reconhecível, às figuras secundárias faltará um pouco menos de realismo - um pouco mais de caricatura - para evitar um contraste tão evidente.
Compreendo a questão (comercial) da cor, compreendo-a pelo necessidade de marcar a diferença em relação a Bernet, compreendo-a pelo desejo de vincar a mudança de época. Mas já não compreendo - não acho muito feliz - a paleta base escolhida, entre os rosa e os violeta, que não reforça o tom profundamente negro do relato. A preto e branco, rico de contrastes, como o Torpedo (de) 1936, este álbum mereceria mais alguns valores, não duvido, di-lo o passado de Risso, dizem-no as páginas em pb que se encontram na net.
Volto ao início - não quero acabar mal (quem quer?), ou transmitir a ideia errada. Torpedo envelheceu bem. Mas também envelheceu mal. Acima de tudo, Torpedo envelheceu como sempre foi: mau.

Torpedo 1972
Enrique Sabchez Abuli (argumento)
Eduardo Risso (desenho)
Levoir/Público
Portugal, 8 de Março de 2018
195 x 260 mm, 56 p., cor, capa dura
11,99 €

(imagens disponibilizadas pela editora; clicar nelas para as aproveitar em toda a sua extensão)

9 comentários:

  1. Anónimo8/3/18 13:59

    Numa altura do politicamente correto sabe bem partir a loiça toda! Hiper recomendavel! Nao é pra lingrinhas!

    Ricardo Amaro

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  2. Já li o primeiro e segundo volumes. Não o considero uma obra prima, mas considero que é dinheiro bem gasto.
    E como já foi referido, num tempo de "politicamente correcto" é uma lufada de ar fresco...

    Venha agora a coleção Bonelli....

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  3. "Venha agora a coleção Bonelli...." nao nao venha

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  4. Fico contente de a Levoir estar a trazer classicos da banda desenhada. Foi o Torpedo, agora Bonelli,... o que mais? Futuro prometedor.

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  5. Livros com código de barras não entram na minha coleção!

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    1. Quer dizer que não compra NENHUM livro de banda desenhada??!! :-o

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    2. Ele não tem espaço em casa ;-)

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    3. Vou passar a imprimir DOIS códigos de barra em cada livro da GFloy, vão passar a parecer mais grossos!! :-)

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  6. Tempo do "politicamente correto"?
    Acho que isso já era!

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