Velho
Envelhecer é uma treta - e a questão da 'arte' outra treta, não controlamos (praticamente) nada. Envelhecer conscientemente pode ser
assustador. Envelhecer é algo que nenhum de nós quer, mas que - no fundo - todos
nós desejamos - porque a alternativa é ainda mais assustadora.
Torpedo envelheceu bem. Ou mal. Ou ambos. Torpedo envelheceu
mau.
Mau como sempre foi. E azedo. E amoral. E violento. E
vingativo. E ressabiado. E egoísta. E…
Depois de cinco - magníficos - volumes - das edições de BD
mais aconselháveis dos últimos anos em Portugal - que compilaram as aventuras
originais de Luca ‘Torpedo’ Torelli, nos conturbados anos 1930 - e também, aqui
e ali, num passado um pouco mais distante, agora reencontramos Torpedo 36 anos
depois. Em 1972.
Reencontramo-lo igual, ou quase.
Quase, porque está - embora de forma não permanente - numa cadeira
de rodas, porque ouve pior, por que tem Parkinson - o que se revelará um
achado, talvez o único verdadeiro achado deste regresso.
Igual, porque - como já escrevi atrás - continua intratável,
continua vingativo, continua violento, continua um mulherengo, e um machista -
que ironia, digna de Abuli, a publicação deste álbum no Dia Internacional da
Mulher! - e a tratar mal os inimigos - e os amigos. Continua ele próprio.
A prova, é que esta história, em que Abuli o recuperou, com
ligeiros retoques - de botox, concedo! - poderia ter sido narrada há 36 anos. A
contar para trás de hoje ou de 1972. Até porque, alguns dos acontecimentos são
recorrentes, emulam a ‘papel químico’ (em 1936) ou em ‘copy/paste’ (hoje)
situações que o pistoleiro já viveu. Evocam-nas, repetem-nas, piscando-nos o
olho à memória - ‘onde é que eu já vi isto - , surpreendendo-nos - talvez não,
mas sim - pela forma como (em 1972) são resolvidas.
A escrita de Abuli continua ácida, forte, com um humor muito
negro, sempre politicamente incorrecto - o que é uma lufada de ar fresco (ou
pestilento?) nos tempos que (hoje) correm. Faltou um pouco mais - para lá da
Parkinson? A mim pareceu-me que sim, eu queria mais, queria um melhor envelhecimento
- se bem que este não seja mau; mau é Luca Torelli. E Abuli - na sua velhice,
na de Torelli, entenda-se - não pretende de forma alguma desculpá-lo ou justifica-lo.
É assim que ele é - foi assim que ele foi - pelas condicionantes da vida, pelas
condicionantes íntimas intrínsecas, pelos tempos que viveu - apenas porque é
mau - e só nos resta apreciá-lo tal e qual. Em 1936, em 1972, em 2018.
Para isso - para o melhor e o pior - contribui o traço de Eduardo
Risso, que recebeu o pesado fardo de desenhar esta história que os
desentendimentos entre Abuli e Bernet impediram que tivesse a mesma equipa
criativa do original. Estou dividido, porque não quero ser injusto para Risso.
O seu trabalho gráfico mantém a qualidade que lhe (re)conhecemos, a alteração
do modelo de planificação, torna a narrativa mais fluída e dinâmica e atenua os
problemas de ligação e continuidade que as histórias longas de Torpedo sempre
tiveram. O protagonista é facilmente - sempre - reconhecível, às figuras
secundárias faltará um pouco menos de realismo - um pouco mais de caricatura -
para evitar um contraste tão evidente.
Compreendo a questão (comercial) da cor, compreendo-a pelo necessidade
de marcar a diferença em relação a Bernet, compreendo-a pelo desejo de vincar a
mudança de época. Mas já não compreendo - não acho muito feliz - a paleta base
escolhida, entre os rosa e os violeta, que não reforça o tom profundamente negro
do relato. A preto e branco, rico de contrastes, como o Torpedo (de) 1936, este
álbum mereceria mais alguns valores, não duvido, di-lo o passado de Risso,
dizem-no as páginas em pb que se encontram na net.
Volto ao início - não quero acabar mal (quem quer?), ou
transmitir a ideia errada. Torpedo envelheceu bem. Mas também envelheceu mal.
Acima de tudo, Torpedo envelheceu como sempre foi: mau.
Torpedo 1972
Enrique Sabchez Abuli (argumento)
Eduardo Risso (desenho)
Levoir/Público
Portugal, 8 de Março de 2018
195 x 260 mm, 56 p., cor, capa dura
11,99 €
(imagens disponibilizadas pela editora; clicar nelas para as
aproveitar em toda a sua extensão)
Numa altura do politicamente correto sabe bem partir a loiça toda! Hiper recomendavel! Nao é pra lingrinhas!
ResponderEliminarRicardo Amaro
Já li o primeiro e segundo volumes. Não o considero uma obra prima, mas considero que é dinheiro bem gasto.
ResponderEliminarE como já foi referido, num tempo de "politicamente correcto" é uma lufada de ar fresco...
Venha agora a coleção Bonelli....
"Venha agora a coleção Bonelli...." nao nao venha
ResponderEliminarFico contente de a Levoir estar a trazer classicos da banda desenhada. Foi o Torpedo, agora Bonelli,... o que mais? Futuro prometedor.
ResponderEliminarLivros com código de barras não entram na minha coleção!
ResponderEliminarQuer dizer que não compra NENHUM livro de banda desenhada??!! :-o
EliminarEle não tem espaço em casa ;-)
EliminarVou passar a imprimir DOIS códigos de barra em cada livro da GFloy, vão passar a parecer mais grossos!! :-)
EliminarTempo do "politicamente correto"?
ResponderEliminarAcho que isso já era!