Nunca coleccionei a revista Tintin
nem fui seu leitor regular, mas li, por atacado ou já em álbum,
muitas das histórias nela publicadas. No que à aventura diz
respeito, houve um díptico que, no momento da sua leitura, ainda
adolescente, me marcou bastante: era constituído pelos episódios A
noite dos chacais e Sarabanda
em Sacramento, que tinham por
protagonistas a Brigada Caimão dirigida por Bruno Brazil.
Comecemos pelo resumo: de regresso à
sua São Francisco natal, Gaúcho Morales, um dos 'caimões' descobre
que os seus pais estão a ser extorquidos por mafiosos locais e que
toda a cidade está sob o jugo de duas famílias italianas. Daí ao
apelo aos restantes caimões, vai um curto passo, com o grupo de
Brazil, de forma cirúrgica e bem planeada, a provocar uma autêntica
guerra entre elas. Pelo meio, ficam vários episódios de grande
impacto, o principal dos quais o ataque dos caimões ao casino, todos
eles guardados na minha memória, fruto das repetidas leituras que
fiz dos velhinhos álbuns da Bertrand.
Relidos agora, no segundo integral
dedicado a Brazil, 46 anos depois da sua publicação original e uns
40 anos depois da sua descoberta por mim, os relatos surgem datados.
As curtas 46 pranchas de cada um não permitem um adequado
desenvolvimento das situações, obrigando a uma resolução
demasiado rápida e fácil de situações demasiado complexas. A
distinção entre bons e maus é aqui - ainda... - demasiado marcada
e os artefactos e equipamentos que a Brigada Caimão utiliza, soam
hoje a relíquias ultrapassadas.
Daí a desilusão que vinquei no
início.
No entanto, foi essa mesma desilusão
que me obrigou a sopesar de novo estas obras e a tentar descobrir o
que me tinha fascinado então. Possivelmente, numa tentativa de
regresso ao prazer descomprometido que experimentei algumas vezes na
sua leitura.
Sem que as marcas do tempo
desaparecessem, a verdade é que Bruno Brazil, apesar de tudo,
continua a ser uma série que vale a pena (re)ler, embora deva ser
considerada no seu contexto original.
William Vance, estará aqui,
possivelmente, perto do seu auge, com um traço realista, duro, um
pouco 'sujo'. de rostos expressivos e situações dinâmicas, com uma
planificação clássica que com alguma frequência explode - por
vezes literalmente - em cenas de meia página ou mesmo página
inteira, o que era pouco habitual então.
Quanto a Greg, conseguiu por um lado
criar uma equipa de protagonistas aparentemente invencíveis com as
quais a empatia dos (jovens) leitores era fácil e imediata, mas, ao
mesmo tempo, dotá-los de características bem humanas, mostrando-os
falíveis e com dúvidas, a sofrer pelos outros, com dificuldade em
gerir as emoções próprias, o que os leva até a pesar o risco -
negando a sua plausível 'bondade' - quando utilizam medidas extremas
em nome de um bem 'global' maior. A principal dessas características
humanas será mesmo a sua mortalidade - quão longe dela estavam os
heróis de papel de então - como será mostrado cirurgicamente no
título seguinte, Batalha no Arrozal
(que, pessoalmente, nunca apreciei) e, de forma devastadora e até
chocante, em Quitte ou doble pour Alak 6.
Para além disso, algumas das
temáticas abordadas, mantêm-se actuais hoje em dia ou ganharam até
nova actualidade - veja-se, por exemplo, o tráfico de seres humanos
em Orage aux Aléoutiennes
- o que permite manter
(ainda) o interesse dos leitores.
Na prática, se parte de mim
preferia ter mantido a doce ilusão adolescente, a verdade é que
esta transição da leitura feita na origem com a emoção para uma
leitura balizada pela razão me enriqueceu enquanto leitor.
Bruno Brazil: Intégrale #2
Inclui um dossier sobre a série
e os álbuns La nuit des chacals, Sarabande à Sacramento, Des
caïmans dans la rizière e Orage
aux Aléoutiennes
Greg (argumento)
Vance (desenho)
Le Lombard
França, 2013
222 x 295 mm, 224 p., cor, capa dura
EAN: 9782803631230
25,50 €
(pranchas
disponibilizadas pela editora; clicar nelas para as aproveitar em
toda a sua extensão)
Já passei por essa mesma experiência com esses mesmos albums, a arte é escorreita e digna do melhor de Vance numa altura em que trabalhava mais os cenários/décors envolventes mas estes albums envelheceram, encontram-se datados, não sei se devido ao tom humorístico de paródia aos filmes do James Bond ou se devido mesmo aos gadgets emprestados aos filmes do Roger Moore, 007 da altura.
ResponderEliminarMas o "Batalha no Arrozal", outro album da série, é algo intemporal, já reli recentemente por diversas vezes e aguenta-se bem, o tom também é mais sério, este é dos meus preferidos junto com o "Imperador de Macau", aventura do Bob Morane, outro trabalho do Vance que se destaca no personagem pois não é rocambolesco e centra-se bastante no desenvolvimento psicológico dos personagens.
Isto para falar do Vance da revista Tintin da altura, nos anos 70.