02/04/2019

Filhos do Rato

Regresso à Guiné...



Depois de Os Vampiros, de Filipe Melo e Juan Cavia, a banda desenhada portuguesa volta a abordar - de forma muito interessante - o sempre incómodo tema da guerra colonial em Filhos do Rato, tendo curiosamente escolhido o mesmo território, a Guiné, para o desenrolar da acção.
Curiosamente - mais uma vez - o argumento pertence a Luís Zhang, filho de pais chineses - ou seja alguém que aparentemente não terá qualquer ligação ao conflito colonial - e o relato, que tem por bases acontecimentos verídicos, é feito a dois tempos, em 1973, em pleno confronto, e em 1975, após o abandono do território pelo exército português.
Entre essas duas datas, e os acontecimentos que nelas têm lugar, é traçado um paralelismo que ilustra a marginalização, o ostracismo e mesmo a violência que sofreram os africanos que integraram as tropas coloniais portuguesas. Primeiro vistos como soldados de segunda categoria, olhados (por alguns) com desprezo e com laivos de racismo e de inferioridade, foram depois considerados traidores à pátria e perseguidos pelos seus conterrâneos pela sua opção durante o conflito. Uma opção nalguns casos forçada, noutros feita em prol da sobrevivência própria e da sua família. Os consequentes danos físicos e psicológicos que toda a situação acarretou, são uma das ópticas da abordagem levada a cabo por Zhang que, ao optar por uma narrativa nem sempre linear e por passagens carregadas de simbolismo que, mais do que momentos concretos, tentam transmitir o estado de espírito dos protagonistas, nem sempre proporciona uma leitura clara ao leitor, para lá da capacidade de interpretação de cada um em função da sua formação, interesse, cultura...
Se o tema já chama a atenção para Filhos do Rato, é impossível não destacar o excelente trabalho gráfico de Fábio Veras, um jovem com apenas 22 anos que, depois do já muito interessante Jardim dos Espectros, promete vir a ser um caso muito sério na banda desenhada nacional.
Surgindo como segundo álbum do autor, mas sendo na verdade o primeiro, porque a sua elaboração foi interrompida para criar exactamente Jardim dos Espectros, Filhos do Rato revela o seu à-vontade quer no registo a preto e branco, quer nas (poucas) pranchas a cores, quer na introdução pontual destas, gerindo dessa forma tempos, emoções e tensão. Para isso, contribui também a planificação muito variada, que adopta diferentes ‘modelos’ consoante as necessidades - página tradicional, tiras de vinheta única horizontais, vinhetas verticais, página de vinheta única com outras menores nela inseridas… - o que confere uma grande dinâmica ao relato e à própria leitura.
O tratamento impressivo do ser humano, sem que isso lhe retire expressividade, e a legibilidade das sequências mudas são outro contributo fundamental para transmitir ao leitor as emoções que imperam no relato: medo, desânimo, incompreensão, desprezo, ódio…

Filhos do rato
Luís Zhang (argumento)
Fábio Veras (desenho)
Comic Heart/G. Floy
Portugal, Março de 2019
205 x 285 mm, 88 p., cor, capa dura
14,00 €

(imagens disponibilizadas pela editora; clicar nelas para as aproveitar em toda a sua extensão)

7 comentários:

  1. Boas, Pedro: o livro custa 14€ e não 16€. Obrigado pela leitura!

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  2. BD bastante interessante. Se retratasse Angola aí que a "barraca" vinha abaixo. Como se trata da Guiné nem arrefece nem aquece aos meandros da politiquice. Gostei. Para quando impressão colorida? Acho que ganhava mais consistência. Bem haja por uma Bd de autoria portuguesa. O lado de Z gostei imenso. Parece que vamos num caminho penso mais correcto, não sermos demasiado projecto final de curso, nem tão "pulp",mas termos identidade em termos comerciais. Isto é a minha singela opinião.

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    1. Na verdade, a impressão foi a cores! Ou seja, há cores em muitas páginas, e em todos os cadernos (na prática, o livro na gráfica foi tratado como sendo "a cores"). A opção do autor foi fazer algo negro, usando pretos e castanhos, e usar as cores em certos momentos para assinalar momentos da história.

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  3. Não esquecer as várias obras de António Vassalo Miranda e o cinzas da revolta de Miguel Peres e Jihon.
    E relativamente ao tema em si, recomendo que pesquisem "Marcelino da Mata".

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  4. Penso que esta é e sempre será a versão definitiva. A cor está lá, em momentos específicos, e a opção do preto e branco foi propositada para conferir à obra uma determinada estética. Pessoalmente acho que o preto e branco ajuda e muito a criar o ambiente pretendido, separando o “presente” com laivos de cor, do passado totalmente a preto e branco.

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  5. "promete vir a ser um caso muito sério na banda desenhada nacional."

    Gosto de ver o optimismo desta frase. Eu colocaria: "promete vir a ser um caso muito série de um artista nacional na BD lá fora."

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  6. A arte marca pontos e a história promete. Irei investigar, concerteza.... Parabéns à Comic Heart/G.Floy.

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