Cantor,
performer, barbeiro, António Variações foi também participante
numa banda desenhada, já lá vão quase 35 anos.
Corria
o ano de 1985. Nas livrarias portuguesas aparecia “La Chavalita”
(Caminho), álbum de estreia de Pitanga, que viria a ser um dos raros
heróis recorrentes da BD nacional.
O
autor, Arlindo Fagundes, conhecido como ilustrador da série juvenil
“Uma Aventura”, abordava uma temática então actual, o tráfico
sexual entre o Minho e a Galiza.
Ao
JN, Fagundes recordou a génese do seu herói: “Ao longo da
história da literatura, da ópera, das artes, o barbeiro surge
muitas vezes como personagem de ficção. Era cirurgião,
conselheiro, confidente, um faz-tudo”. Foi por isso, também, “que
o Pitanga acabou barbeiro, mas a domicílio, para ter a mobilidade
necessária” para se deslocar pelos cenários da acção.
Logo
a abrir, no prefácio, os leitores eram informados da aparição de
António Variações na obra. Fagundes explica: “Na altura gostava
da sua música, achava piada à sua figura, à sua atitude, mas ainda
hoje me admiro como tive coragem para o fazer”. Se o Pitanga era
barbeiro, “achei que ele podia perfeitamente conhecer o António
Variações, da profissão”. E prossegue: “Incluir uma referência
viva, era quase um atestado de autenticidade ao Pitanga; dava solidez
e verosimilhança à minha história”.
Daí
a escrever-lhe foi um passo. “Já tinha o argumento escrito, meti
no envelope fotocópias das primeiras pranchas da história para lhe
apresentar o Pitanga e cerimoniosamente perguntei-lhe se se
importaria de ser seu amigo e entrar com ele na aventura”.
A
resposta tardou mas, confessa agora pela primeira vez, a obra não
parou: “arrisquei avançar e desenhá-lo. Já tinha as pranchas
prontas quando recebi a amável resposta dele”. Nessa carta, que
ainda conserva, Variações anuía ao “curioso pedido” uma vez
que ia fazer parte de uma “história inteligente e de bom gosto”.
Mas,
“se a carta não tivesse chegado”, afirma Fagundes, “teria
voltado à carga; nunca publicaria sem autorização”.
Como
consequência, António Variações surge como “artista convidado”,
com Pitanga, numa discoteca, numa sequência bem-humorada de três
páginas, nas pranchas 33 a 35.
Fagundes ficou à espera de ter “um exemplar para lhe entregar”, como o cantor pedia na carta, “mas isso nunca aconteceu”. Menos de dois meses após recepcionar a resposta de Variações, “li no jornal que tinha falecido”. Reconhece que “gostava de o ter conhecido pessoalmente”, o que até teria sido fácil pois “eram quase vizinhos”: Variações era de Amares e Fagundes tinha o atelier em Vila Verde.
No
prefácio do álbum, afirma que “de todos os personagens desta
história, era este [António Variações] o único que eu não tinha
inventado, o único que estava por sua conta e risco e que eu nunca
me atreveria a matar, o único cuja morte me deixou estuporado”,
numa “história em quadradinhos em que morre muita, muita gente”.
A
mágoa e a dívida de gratidão que “La Chavalita” deixou, foi de
alguma maneira paga no álbum seguinte, “A Rapariga do Poço da
Morte” (Caminho, 2003), que abre no cemitério de Amares, com
Pitanga junto à campa de António Variações, desenhada a partir de
fotos tiradas no local. “Foi algo poético, sentido e respeitoso,
para reforçar a ideia de que ele e Pitanga eram amigos e para fazer
a ligação ao álbum anterior”. E conclui Fagundes: “Foi uma
homenagem, para dizer que não o tinha esquecido”.
(versão
revista do texto publicado no Jornal de Notícias de 26 de Agosto de
2019; imagens
disponibilizadas por Arlindo Fagundes; clicar nelas para as
aproveitar em toda a sua extensão)
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