25/09/2019

Comanche: Integral 2

Excepção à regra



Sei que o que escrevo a seguir vai contra o que defendo há anos e que inúmeras vezes afirmei: que as obras devem ser reproduzidos tal e qual foram pensadas, em termos de forma, cor, tamanho…
Mas, como há sempre uma excepção à regra, o segundo integral de Comanche a preto e branco - na peugada do primeiro, aliás - leva a que me contradiga: depois de ver a arte de Herman desta forma, nunca mais vou conseguir ler da mesma forma este western a cores…
Pode soar a exagero para alguns, mas façam o seguinte exercício: depois da leitura deste (belo) volume, voltem ao início e prestem atenção apenas à arte de O Deserto sem Luz. Vejam o pormenor dos rostos curtidos pelo sol, apreciam o retrato de época (armas, vestuário, veículos, edifícios...), admirem a proporcionalidade dos seres humanos, vejam a naturalidade dos cavalos (imóveis, a trote, a galope...), sintam a humidade da chuva, o calor do sol, a poeira no ar… E, principalmente, vejam como Hermann fez tudo isto a preto e branco, um preto e branco sublime - superiormente reproduzido nesta (belíssima) edição da Ala dos Livros - onde cada sombra, cada raio de luz, o contraste entre a noite e o dia, os volumes, a profundidade das cenas, a vastidão dos cenários, o equilíbrio da composição das vinhetas, a construção das pranchas, o movimento (pequenos tiques ou grandes gestos…) cumpre a sua função narrativa e - sem a cor, reitero - cumpre a sua função, deslumbra o leitor, deixa-o pendurado de cada pequena obra-prima que cada vinheta é.
Falei especificamente da aventura inicial, mas o mesmo - ou quase - poderia ser dito em relação às restantes três deste (soberbo) álbum, embora o posterior enriquecimento e melhoria do colorido original, devido à maior experiência e saber de Hermann, provoque mais zonas brancas nas pranchas, para serem os matizes do colorido a definir sombras e volumes.
Em termos narrativos, O Deserto sem Luz é também, possivelmente, a pérola deste livro. Na sequência do confronto com o último dos irmãos Dobbs, no final do volume anterior, que terminou com a sua morte por Dust, este último é condenado à prisão e a narrativa agora arranca com a sua saída em liberdade condicional. Sem poder beber, usar armas, meter-se em lutas, começa um longo calvário para Red Dust, numa cidade em que a chegada do (chamado) progresso provocou mudanças aceleradas e fez esquecer (muito d)o passado - e aqueles que a construíram e mantiveram de pé.
Mais do que resistir às provocações, Dust terá de se enfrentar a si mesmo e vencer a sua própria obstinação e hábitos para conseguir fazer a travessias do ‘deserto sem luz’ em que se encontra.
Nos três álbuns seguintes deste livro, em que haverá alguns reencontros com personagens já surgidas da série, num trabalho consistente e conseguido de solidificação das suas bases de sustentação e da sua galeria de personagens, os confrontos entre o passado e o futuro, entre o progresso e a tradição, entre a mudança e a manutenção do conhecido são mais uma vez centrais num western de qualidade superior que, se contém todos os ingredientes típicos do género - brancos e índios, tiroteios, cavalgadas, confrontos... - recorda penosamente como neste mundo - então, como de forma mais acelerada hoje - nada é imutável e o ser humano - mesmo os heróis de papel - são impotentes para travar as mudanças de mentalidade e vida que o progresso - a civilização, a globalização… - impõem. Mesmo quando estas parecem servir apenas para tornar pior, mais iníquo, menos humano cada um de nós…

Nota final
No volume anterior como neste, é gritante a falta de um dossier - geralmente presentes nas edições integrais francófonas - que situe a obra na sua época e na carreira dos autores, conte um pouco da história destes, explique a opção pelo preto e branco e não pela cor, narre a carreira da série em Portugal…
Seguir edições estrangeiras e/ou participar em co-edições, pode beneficiar o leitor por um lado e prejudicá-lo por outro… quando obriga este tipo de lacunas.

Comanche Integral 2
Greg (argumento)
Hermann (desenho)
Ala dos Livros
Portugal, Setembro de 2019
235 x 310 mm, 200 p., pb, capa dura
32,90 €

(imagens disponibilizadas pela editora; clicar nelas para as apreciar em toda a sua extensão)

10 comentários:

  1. Boa tarde Pedro Cleto,
    Só foi pena não terem incluído nesta edição as pequenas histórias que foram sendo editadas no Tintin, revista, almanaque, e edições especiais e tb no Mundo de Aventuras, nomeadamente, e pela importância cronológica, "Lembra-te Kentucky", a primeira história da série.
    António Vasques

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    1. Caro António Vasques,
      As histórias curtas que o Hermann desenhou serão incluídas no terceiro e último volume desta reedição integral da Comanche a preto e branco.
      Boas leituras!

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    2. Boa tarde Pedro
      Diz que só são 3 volumes. Serão então 12 histórias? Em França a Comanche teve 15 álbuns publicados. Isso quer dizer que a coleção vai ficar incompleta ou que o 3 volume terá mais histórias?
      Forte abraço

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    3. Do que acompanhei do inicio da discussão sobre o tema, a AlA só vai editar nestes três volumes, os albuns originais desenhados por Hermann. Ou seja, é o integral de Comache/Hermann e não o integral de Comanche.
      Se estiver errado, alguém que me corrija.

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    4. Exacto Xico Manel,
      A edição da Ala dos Livros contempla apenas a fase de Greg e Hermann, ou seja 10 álbuns mais um de histórias curtas.
      Boas leituras!

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  2. Olha olha, finalmente sai os "Xerifes", inédito em album em Portugal e na minha opinião o melhor album da Comanche de sempre.

    Tinha lido na revista Tintin portuguesa nos anos 70.

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    1. Nesta minha releitura, a melhor história foi O Deserto sem Luz, também inédito em álbum em português...
      Mas é tudo uma questão de gosto...
      Boas leituras!

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    2. O Xerifes tem um gostinho trágico a Sam Peckinpah de que gosto, é por isso.

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  3. Bom dia Pedro

    Gostei muito do volume 2 do Comanche, edição primorosa, mas continuo a achar que o Blueberry é o melhor Western-Banda desenhada de sempre. A Mina do Alemão Perdido e o Espectro das Balas de Ouro são imbatíveis.

    Um abraço

    Pedro Infante

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    1. Pedro Infante,
      Sim o Comanche entra aqui na sua melhor fase e a edição é magnífica.
      Quanto a compará-lo com Blueberry - ou com Ken Parker ou com... - são grandes obras diferentes, que em momentos diferentes nos agradam mais ou menos. Digo eu.
      O importante é que estejam disponível para quem as quiser (re)ler.
      Boas leituras!

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