Sei que o que escrevo a seguir vai contra o que defendo há anos e que inúmeras vezes afirmei: que as obras devem ser reproduzidos tal e qual foram pensadas, em termos de forma, cor, tamanho…
Mas,
como há sempre uma excepção à regra, o segundo integral
de Comanche
a preto e branco - na peugada do primeiro, aliás - leva a
que me contradiga:
depois de ver a arte de Herman desta forma, nunca mais vou conseguir
ler da mesma forma este western a cores…
Pode
soar a exagero para alguns, mas façam o seguinte exercício: depois
da leitura deste (belo) volume, voltem ao início e prestem atenção
apenas à arte de O
Deserto sem Luz.
Vejam o pormenor dos rostos curtidos pelo sol, apreciam o retrato de
época (armas, vestuário, veículos, edifícios...), admirem a
proporcionalidade dos seres humanos, vejam a naturalidade dos cavalos
(imóveis, a trote, a galope...), sintam a humidade da chuva, o calor
do sol, a poeira no ar… E, principalmente, vejam como Hermann fez
tudo isto a preto e branco, um preto e branco sublime - superiormente
reproduzido nesta (belíssima) edição da Ala dos Livros - onde cada
sombra, cada raio de luz, o contraste entre a noite e o dia, os
volumes, a profundidade das cenas, a vastidão dos cenários, o
equilíbrio da composição das vinhetas, a construção das
pranchas, o movimento (pequenos tiques ou grandes gestos…) cumpre a
sua função narrativa e - sem a cor, reitero - cumpre a sua função,
deslumbra o leitor, deixa-o pendurado de cada pequena obra-prima que
cada vinheta é.
Falei
especificamente da
aventura inicial,
mas o mesmo - ou quase - poderia ser dito em relação às restantes
três
deste
(soberbo) álbum, embora o posterior enriquecimento e melhoria do
colorido original, devido à maior experiência e saber de Hermann,
provoque mais zonas brancas nas pranchas, para serem os matizes do
colorido a definir sombras e volumes.
Em
termos narrativos, O
Deserto sem Luz é
também, possivelmente, a pérola deste livro. Na sequência do
confronto com o último dos irmãos Dobbs, no final do volume
anterior, que terminou com a sua
morte
por Dust, este último é condenado à prisão e a narrativa agora
arranca com a sua saída
em liberdade condicional. Sem poder beber, usar armas, meter-se em
lutas, começa um longo calvário para
Red Dust, numa cidade em que a chegada do (chamado) progresso
provocou mudanças aceleradas e fez esquecer (muito d)o passado - e
aqueles que a construíram e mantiveram de pé.
Mais
do que resistir às provocações, Dust terá de se enfrentar a si
mesmo e vencer a sua própria obstinação
e hábitos para conseguir fazer a travessias do ‘deserto sem luz’
em que se encontra.
Nos
três álbuns seguintes deste livro, em que haverá alguns
reencontros com personagens já surgidas da série, num trabalho
consistente
e conseguido de solidificação das suas
bases
de
sustentação e
da sua
galeria
de personagens, os confrontos entre o passado e o futuro, entre o
progresso e a tradição, entre a mudança e a manutenção do já
conhecido
são mais uma vez centrais num western de qualidade superior que, se
contém todos os ingredientes típicos do género - brancos e índios,
tiroteios, cavalgadas, confrontos... - recorda penosamente como neste
mundo - então, como de forma mais acelerada hoje - nada é imutável
e o ser humano - mesmo os heróis de papel - são impotentes para
travar as mudanças de mentalidade e vida que o progresso - a
civilização, a globalização… - impõem. Mesmo quando estas
parecem
servir apenas para tornar pior, mais iníquo, menos humano cada um de
nós…
Nota
final
No
volume anterior como neste, é gritante a falta de um dossier -
geralmente
presentes nas edições integrais francófonas - que
situe a obra na sua época e na carreira dos autores, conte um pouco
da história destes, explique a opção pelo preto e branco e não
pela cor, narre a carreira da série em Portugal…
Seguir
edições estrangeiras e/ou
participar em co-edições, pode beneficiar
o leitor por um lado e prejudicá-lo
por outro… quando
obriga este
tipo de lacunas.
Comanche Integral 2
Greg (argumento)
Hermann (desenho)
Ala dos Livros
Portugal, Setembro de 2019
235 x 310 mm, 200 p., pb, capa dura
32,90 €
Boa tarde Pedro Cleto,
ResponderEliminarSó foi pena não terem incluído nesta edição as pequenas histórias que foram sendo editadas no Tintin, revista, almanaque, e edições especiais e tb no Mundo de Aventuras, nomeadamente, e pela importância cronológica, "Lembra-te Kentucky", a primeira história da série.
António Vasques
Caro António Vasques,
EliminarAs histórias curtas que o Hermann desenhou serão incluídas no terceiro e último volume desta reedição integral da Comanche a preto e branco.
Boas leituras!
Boa tarde Pedro
EliminarDiz que só são 3 volumes. Serão então 12 histórias? Em França a Comanche teve 15 álbuns publicados. Isso quer dizer que a coleção vai ficar incompleta ou que o 3 volume terá mais histórias?
Forte abraço
Do que acompanhei do inicio da discussão sobre o tema, a AlA só vai editar nestes três volumes, os albuns originais desenhados por Hermann. Ou seja, é o integral de Comache/Hermann e não o integral de Comanche.
EliminarSe estiver errado, alguém que me corrija.
Exacto Xico Manel,
EliminarA edição da Ala dos Livros contempla apenas a fase de Greg e Hermann, ou seja 10 álbuns mais um de histórias curtas.
Boas leituras!
Olha olha, finalmente sai os "Xerifes", inédito em album em Portugal e na minha opinião o melhor album da Comanche de sempre.
ResponderEliminarTinha lido na revista Tintin portuguesa nos anos 70.
Nesta minha releitura, a melhor história foi O Deserto sem Luz, também inédito em álbum em português...
EliminarMas é tudo uma questão de gosto...
Boas leituras!
O Xerifes tem um gostinho trágico a Sam Peckinpah de que gosto, é por isso.
EliminarBom dia Pedro
ResponderEliminarGostei muito do volume 2 do Comanche, edição primorosa, mas continuo a achar que o Blueberry é o melhor Western-Banda desenhada de sempre. A Mina do Alemão Perdido e o Espectro das Balas de Ouro são imbatíveis.
Um abraço
Pedro Infante
Pedro Infante,
EliminarSim o Comanche entra aqui na sua melhor fase e a edição é magnífica.
Quanto a compará-lo com Blueberry - ou com Ken Parker ou com... - são grandes obras diferentes, que em momentos diferentes nos agradam mais ou menos. Digo eu.
O importante é que estejam disponível para quem as quiser (re)ler.
Boas leituras!