09/10/2019

Louisiana #1: La couleur du sang

Nem tudo o vento levou




O ponto de partida é uma citação de E tudo o vento levou, o romance de Margaret Mitchell que o cinema tornou célebre, mas a história deste tríptico que agora começa baseia-se nas memórias de uma velha senhora, cuja família é proveniente das plantações de New Orleans.
A história começa em 1961 quando, as netas da narradora, empurradas pela leitura do livro atrás citado, decidem pedir à avó que lhes conte a história da sua família.
Muito idosa, ainda atormentada por um passado que (não) viveu (totalmente) mas cujo conhecimento a envergonha, começa por negar, mas mais tarde decide confidenciar tudo a Hazel, a criada negra que há muito a acompanha e que já considera mais amiga do que uma empregada.
A narrativa recua então mais de um século, para os primeiros anos do século XIX, quando o seu bisavô Augustin começou a ocupar-se de uma plantação no Luisiana, com a sua mulher e a sua filha. E, claro, muitos trabalhadores escravos.
Chegado a este ponto, sem querer desvendar mais da essência do relato, há que reconhecer que ele assenta em boa parte dos estereótipos expectáveis: o encarar dos negros como propriedade e objectos, não seres humanos, e o aproveitamento sexual das negras pelos brancos; os homens como cume de uma pirâmide em que se seguem as mulheres e, na base, os negros…
Este estado de coisas, reflexo de um tempo e de uma forma de pensar, inegáveis historicamente, em termos genéricos redunda em personagens com pouca espessura e unidimensionais e, em termos específicos do relato, provocará um progressivo afastamento de Augustin Maubusson da sua mulher, Laurette; a revolta da sua filha Joséphine, principal protagonista; o crescimento do seu irmão nas pisadas do pai, cada vez mais prepotente e violento para com as suas propriedadeshumans. Em suma, uma história - histórica… - sobre racismo e violência, sim, mas também sobre misoginia e opressão feminina. Como que juntando - enganadoramente - no mesmo ‘saco’ a luta dos negros e das mulheres. Que - historicamente sabemos hoje - demoraram, uma e outra, décadas a ter resultados - e ainda, em muitos casos, continua a ser necessária.
Apesar disso, a escrita de Léa Chrétien consegue transmitir ao relato uma boa dose de emoção, introduzir uma ou outra variante, como um toque de magia vudu no desfecho deste tomo inicial, e alguns surpresas durante o seu decurso, e dessa forma cativar o leitor para o acompanhamento desta saga familiar.
Saga que é desenhada de forma realista e convincente do ponto de vista da reconstrução de época, sejam os ambientes citadinos de New Orleans, sejam as zonas rurais da plantação e arredores. E embora Gontran Toussaint revele especial prazer pelo desenho da figura feminina - que protagoniza grande parte das cenas - há por vezes algumas dificuldades no reconhecimento dos seus traços distintivos, em especial quando se trata de mãe e filha. Com um bom trabalho de cor, numa planificação de cunho realista, Tousaint revela algum atrevimento pontual, como, por exemplo, na cena determinante final, em que a acção em dois locais distintos surge em paralelo numa página apresentada como um tabuleiro de xadrez azul-cinza e ocre, para depois acelerar o ritmo na prancha seguinte em que as distinções cromáticas se mantêm agora numa sucessão de tiras de vinhetas única.
Com apenas um terço da história revelada, num volume de final aberto que apela à continuação da leitura, Louisiana fica dependente dos volumes seguintes para uma avaliação mais completa e ajustada do projecto.

Louisiana #1: La couleur du sang
Léa Chrétien (argumento)
Gontran Toussaint (desenho)
Dargaud
França, 13 de Setembro de 2019
240 x 320 mm, 56 p., cor, capa dura
EAN 9782205078640
14,00 €

(imagens disponibilizadas pela editora; clicar nelas para as apreciar em toda a sua extensão)

5 comentários:

  1. Um problema de ler as revistas francesas de BD (casemate, dbd, l'immancable), é a profusão de edições FB derivando daí, a escolha. Este não me despertou muito a atenção. Talvez devido a ser triptico e eu irritar-me com o ficar à espera das continuações. Aliás, o Águias de Roma está nessa situação. Por vezes compro e fico á espera da edição da totalidade para ler de seguida, mas no AdR cometi o "erro" de os ler quando foram sendo editados... :-)

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    1. Pois... Li este seguindo uma indicação de alguém... e agora fico à espera dos restantes!
      Raramente compro e espero pelo fecho da série para ler. A maior parte das vezes vou lendo e quando compro o último volume, aí releio de uma vez só...
      Boas leituras!

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  2. Pois, mas isto foi sempre assim.

    Estamos a ficar mal habituados devido às edições TPB dos Comics americanos.

    Mas um album FB também leva mais tempo a fazer, são ritmos distintos.

    Pelo que sei o último Largo Winch vai levar 1 ano a desenvolver.

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  3. E este novo Largo vai sair no mês que vem pelos vistos.

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    1. Com algumas excepções, um ano é sensivelmente o tempo de criação de um álbum franco-belga...
      Boas leituras!

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