Um dos chavões mais repetidos - e com razão - para justificar o sucesso das criações de Stan Lee - & parceiros desenhadores… - para a (criação da) Marvel (tal como a (re)conhecemos hoje) foi que os seus (super-)heróis tinham os mesmos problemas que os humanos: contas para pagar, falta de auto-estima, conflitos familiares, vítimas de bullying (mesmo que o conceito ainda não existisse na época)…
Aquando
da publicação de O
Legado de Júpiter - Livro Um: Luta de Poderes,
escrevi aqui no blog: ‘o
argumentista escocês desconstrói a partir do interior o conceito
tradicional das narrativas de super-heróis - e o próprio conceito
de super-seres - e coloca em questão tudo o que são e representam.’
Agora, nesta prequela,
Millar aplica aos (super-)seres que criou, mas de forma distorcida, o
tal conceito de Lee, revelando-os não com os mesmos problemas dos
humanos, mas com os seus maiores defeitos - entendidos como tal à
época em que a acção decorre, os anos 1950: homossexuais,
chantagistas, adúlteros, utilizadores dos poderes em proveito
próprio - e prejuízo alheio dos seus parceiros, hipócritas,
interesseiros…
Fá-lo
numa série de episódios que podem ser lidos de forma independente,
embora acabem por ser citados/referidos nos posteriores e alguns dos
acontecimentos que narram influenciem o que acontece depois, de forma
(quase) desabrida, destruindo - ou impedindo - qualquer hipótese de
identificação/simpatia dos leitores para com as (suas) personagens
- a não ser que também eles sejam pouco recomendáveis…
Obviamente,
esta opção acaba por justificar o estado de coisas que já
conhecemos - ou
devíamos conhecer…. - dos
dois volumes de
O Legado de Júpiter
e ajuda a compreender muitas das situações neles vividas ou das
opções neles tomadas, contribuindo
assim para
tornar mais coerente e uniforme o universo
apresentado.
Falta,
apesar de tudo, a este volume, o sabor da novidade, não sendo
essa a única razão para que esteja uns poucos furos abaixo do
díptico já citado, mas nem isso - nem algumas oscilações gráficas
evidentes ao sabor das mudanças de desenhador, apesar de um conjunto globalmente multo legível e agradável - impedem que esta
seja uma leitura aconselhável, mesmo para
aqueles
que olham de viés para os relatos de super-heróis.
Nota
final
Correndo
o risco de me repetir, não posso deixar de chamar a atenção para
(mais) uma bela edição portuguesa de BD (mais uma vez, não sendo a
única a fazê-lo,) da G. Floy, que contribui (mais do que muitos
julgam) para potenciar a leitura. O generoso tamanho
deluxe,
o bom papel e impressão, a edição integral que permite uma leitura
completa de seguida, são razões para eu considerar os actuais
leitores portugueses
de
BD os mais felizes, (pelo menos) de há muitos anos a esta parte.
O Círculo de Júpiter
Mark Waid (argumento)
Davide
Gianfelice com Wilfredo Torres, Karl Story, Rick Burchett, Chris
Sprouse, e Ty Templeton (desenho)
Francesco
Mortarino e Davide Gianfelice, com Walden Wong, Francesco Mortarino e
Karl Story (arte-final)
Ive
Sorcina e Miroslav Mrva (cor)
Franq
Quitely e Bill Sienkiewicz (capas capítulos)
G. Floy
Portugal, Fevereiro de 2020
168 x 260 mm, 298 p., cor, capa
dura
28,00 €
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