27/02/2020

O Círculo de Júpiter

Super-heróis como nós...



Um dos chavões mais repetidos - e com razão - para justificar o sucesso das criações de Stan Lee - & parceiros desenhadores… - para a (criação da) Marvel (tal como a (re)conhecemos hoje) foi que os seus (super-)heróis tinham os mesmos problemas que os humanos: contas para pagar, falta de auto-estima, conflitos familiares, vítimas de bullying (mesmo que o conceito ainda não existisse na época)…
Em O Círculo de Júpiter, Mark Millar eleva - ou será que rebaixa? - esse conceito a um outro nível.
Passo a explicar [com algumas revelações que alguns poderão não querer conhecer antes da leitura].
Aquando da publicação de O Legado de Júpiter - Livro Um: Luta de Poderes, escrevi aqui no blog: ‘o argumentista escocês desconstrói a partir do interior o conceito tradicional das narrativas de super-heróis - e o próprio conceito de super-seres - e coloca em questão tudo o que são e representam.’ Agora, nesta prequela, Millar aplica aos (super-)seres que criou, mas de forma distorcida, o tal conceito de Lee, revelando-os não com os mesmos problemas dos humanos, mas com os seus maiores defeitos - entendidos como tal à época em que a acção decorre, os anos 1950: homossexuais, chantagistas, adúlteros, utilizadores dos poderes em proveito próprio - e prejuízo alheio dos seus parceiros, hipócritas, interesseiros…
Fá-lo numa série de episódios que podem ser lidos de forma independente, embora acabem por ser citados/referidos nos posteriores e alguns dos acontecimentos que narram influenciem o que acontece depois, de forma (quase) desabrida, destruindo - ou impedindo - qualquer hipótese de identificação/simpatia dos leitores para com as (suas) personagens - a não ser que também eles sejam pouco recomendáveis…
Obviamente, esta opção acaba por justificar o estado de coisas que já conhecemos - ou devíamos conhecer…. - dos dois volumes de O Legado de Júpiter e ajuda a compreender muitas das situações neles vividas ou das opções neles tomadas, contribuindo assim para tornar mais coerente e uniforme o universo apresentado.
Falta, apesar de tudo, a este volume, o sabor da novidade, não sendo essa a única razão para que esteja uns poucos furos abaixo do díptico já citado, mas nem isso - nem algumas oscilações gráficas evidentes ao sabor das mudanças de desenhador, apesar de um conjunto globalmente multo legível e agradável - impedem que esta seja uma leitura aconselhável, mesmo para aqueles que olham de viés para os relatos de super-heróis.

Nota final
Correndo o risco de me repetir, não posso deixar de chamar a atenção para (mais) uma bela edição portuguesa de BD (mais uma vez, não sendo a única a fazê-lo,) da G. Floy, que contribui (mais do que muitos julgam) para potenciar a leitura. O generoso tamanho deluxe, o bom papel e impressão, a edição integral que permite uma leitura completa de seguida, são razões para eu considerar os actuais leitores portugueses de BD os mais felizes, (pelo menos) de há muitos anos a esta parte.

O Círculo de Júpiter
Mark Waid (argumento)
Davide Gianfelice com Wilfredo Torres, Karl Story, Rick Burchett, Chris Sprouse, e Ty Templeton (desenho)
Francesco Mortarino e Davide Gianfelice, com Walden Wong, Francesco Mortarino e Karl Story (arte-final)
Ive Sorcina e Miroslav Mrva (cor)
Franq Quitely e Bill Sienkiewicz (capas capítulos)
G. Floy
Portugal, Fevereiro de 2020
168 x 260 mm, 298 p., cor, capa dura
28,00

(imagens disponibilizada pela editora; clicar nelas para as aproveitar em toda a sua extensão)

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