11/03/2020

De l’autre côté de la frontière

Inevitável, também







Tal como a Julia Kendall, também não consigo resistir a Berthet. Num caso pelas tramas envolvidas, aqui pelo traço belo linha clara do autor francês que em De l’autre Côté de la frontière nos narra, em parceria com Fromental, um estranha episódio pseudo-biográfico do escritor Georges Simenon por interposta pessoa.
[Compreendo aqueles que acusam Berthet de perpetuar o seu traço álbum após álbum, com as personagens todas semelhantes, mas a delicadeza do seu desenho, a sua limpidez, a expressividade dos olhos das suas criações, os ambientes retros que são a sua predilecção, a qualidade das cores de David, as belas mulheres obrigam-me a voltar a ele uma e outra vez.]
Na fase em que devorei centenas de livros policiais, algures no final da adolescência e início da idade adulta, mais coisa menos coisa, nunca tive o pai de Maigret no topo das minhas preferências, longe disso. Simplesmente porque não ou por reflexo de uma série que na altura vi na RTP - onde mais poderia ter sido, aliás…? - sempre o associei - e/ou ao seu detective - ao circunspecto e contido intérprete/personagem televisivo.
A descoberta neste álbum das suas práticas (devassas) quando viveu nos Estados Unidos - como Jijé, Morris e Franquin, na mesma época, o final dos anos 1940, temendo uma escalada atómica, como narrado no muito aconselhável Gringos Locos - foi por isso uma autêntica surpresa.
Passemos então ao livro. O protagonista é François Combe, não por acaso escritor de romances policiais de sucesso, ou não fosse nlivremente inspirado em Simenon, como revela no final o argumentista Jean-Luc Fromental.
Combe vive em Santa Cruz Valley, próximo da fronteira entre o Arizona e o México, com a esposa e o filho, sim, mas também com a sua secretária e amante (aos olhos de todos). Sozinho ou com esta última, desloca-se com frequência ao outro lado da fronteira, ao mais célebre bordel mexicano, onde um dia conhece a jovem e bela Raquel. Na mesma altura encontra o seu amigo Jed Perterson, que não fica insensível aos encantos da prostituta.
Pouco depois de deixarem o local, Raquel é encontrada selvaticamente assassinada, recaindo as suspeitas sobre os dois homens. Combe começa a inquirir para tentar descobrir o que se passou, mas nos dias seguintes, outras prostitutas aparecem também mortas.
Começa assim uma sólida história policial, marcada pela liberdade das relações do romancista - e dos efeitos (nefastos) que elas têm nos que lhe são mais próximos - em que se vão acumulando dúvidas e incertezas, ao mesmo tempo que são vincadas as diferenças profundas - sociais, económicas… - entre os que vivem de um lado e do outro da linha imaginária a que chamamos fronteira.
Tudo isto - e o belo traço de Berthet, reforço, perfeitamente ajustado ao relato - e a teia de relações que se vai criando e descobrindo, faz com que o leitor devore página após página até encontrar as respostas que procura.

De L’autre côté de la frontière
Jean-Luc Fromental (argumento)
Philippe Berthet (desenho)
Dargaud
França, 6 de Março de 2020
220 x 288 mm, 72 p., cor, capa dura
EAN: 9782505084648
15,99 €

(imagens disponibilizadas pela Dargaud; clicar nelas para as aproveitar em toda a sua extensão)

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