25/05/2020

O Corvo: Inconsciência tranquila

Habemus super-herói





Resumo
O Corvo está de regresso, ‘mais inconsciente do que nunca…’ lê-se na contracapa, desconhecendo a sombra ameaçadora que paira sobre ele, a do Combustão, seu inimigo jurado… numa cidade em que impera a traição, a perversão e o tráfico.

Contexto
O Corvo nasceu (para o público) em 1994. Aconteceu ao volume 5 da prometedora - mas efémera - colecção Estórias de Lisboa, e na época a narrativa assumia contornos dramáticos, num relato tenso de tom trágico, que no capítulo final atenuava a infância complicada do seu alter-ego, Vicente.
Quase uma década depois, em 2003, assistíamos a O regresso, em que Luís Louro procurava um (novo) caminho para a sua personagem. A paródia (mais assumida) aos super-heróis, o afastamento progressivo do realismo (parcial) que o Vicente proporcionava eram as suas pedras basilares.
A parceria com Nuno Markl em Laços de família (2007) assumia abertamente um tom de comédia, próximo do registo conhecido ao humorista, por isso mais leve e ingénuo. E marcava a chegada de dois oponentes do trapalhão super-herói, a avantajada Viúva Negra e, principalmente, o falhado Fanã, aliás, Combustão.

Desenvolvimento
Apesar de continuar trapalhão e alheado da realidade - numa ‘inconsciente tranquilidade’ - o Corvo assume definitivamente neste álbum o seu papel de super-herói.
Monólogos interiores, inimigos recorrentes, novos adversários, o combate ao crime organizado e ao tráfico de estupefacientes - mesmo que involuntariamente e sem de tal ter consciência - são os aspectos mais relevantes dessa entrada no ‘super-clube’.
Paradoxalmente, embora este seja o álbum mais conseguido em termos de humor - que o Combustão alimenta muito bem, com alguns belos achados e conseguidos trocadilhos - é também o relato em que esse aspecto tem menos peso e se perpetua menos na memória do leitor, pela forma elaborada e sólida como Louro apostou na vertente 'super-heróis'.
Agora, depois de o autor ter procurado o caminho - que finalmente parece ter encontrado - cabe ao seu herói (tentar) descobrir quem/o que realmente é.
O que atrás fica escrito não implica que seja um álbum (muito) mais pesado em relação aos anteriores, embora seja evidente o cuidado posto ao nível da escrita, que ritma a leitura, dá consistência à narrativa e a prolonga temporalmente para benefício do leitor, obrigando-o o mergulhar na cabeça do protagonista.
Graficamente, Lisboa - aquela com que Louro nos deleitou no díptico duplo Watchers/Sentinel, - quase desapareceu dos fundos das vinhetas, devido à opção de centrar a acção directamente nas personagens e nos seus confrontos, através da utilização generosa de grandes planos ou de planos de conjunto ‘iluminados ‘ pelas chamas (que ‘apagam’ outros elementos. Curiosamente, isso permitiu que um ‘outro’ Louro brilhasse, pela forma dinâmica e movimentada como tornou explosivas as cenas de maior acção, tirando todo o benefício do seu traço anguloso quer nos ‘demónios’ que o Corvo enfrenta, quer nas ligaduras 'vivas' do Combustão.

A reter
- A regularidade com que Luís Louro está (outra vez) a trabalhar - e a publicar.
- O excelente trabalho gráfico do autor, em especial nas cenas do Combustão e da luta do Corvo com os seus ‘demónios’.
- A contratação pela Ala dos Livros de um (dos raros) peso-pesado(s) da BD nacional para o seu catálogo...
- ... e a iniciativa da editora de proporcionar às 100 primeiras encomendas o livro autografado e com o seu selo branco. Se a promoção dos autores portugueses é fundamental - embora raramente tenha acontecido - no momento actual é ainda mais importante.

Menos conseguido
- A capa: o logótipo do herói e mesmo o nome do autor são pouco legíveis; o próprio Corvo - que como personagem recorrente devia ser o principal chamativo - surge nela algo ‘apagado’ pelas chamas do Combustão - e por isso pouco reconhecível, ao contrário do (lógico) protagonismo que gozava no frontispício dos álbuns anteriores.

O Corvo: Inconsciência tranquila
Luís Louro
Ala dos Livros
Portugal, Maio de 2020
235 x 310 mm, 64 p., cor, capa dura
16,95 €

(imagens disponibilizadas pela Ala dos Livros; clicar nelas para as aproveitar em toda a sua extensão)

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