18/05/2020

O nascimento dos deuses

Como gente, afinal






Há verdades que não é demais repetir e uma delas é a competência que os diversos tomos da colecção A Sabedoria dos Mitos demonstram.
O que, em abono da verdade, os tornam mais interessantes e atractivos do que aquilo que a frase anterior demonstra.
E isso acontece, mesmo quando um dos aspectos que os tem distinguido, a qualidade gráfica dos desenhadores, fica aquém do esperado, como acontece neste volume. Não me refiro à abertura (mais) realista de Dim M., mas sim ao traço de Federico Santagati, que se revela - aos meus olhos - algo rude e imperfeito. É tanto assim que o generoso formato da edição da Gradiva - similar ao do original francófono - parece exagerado e dei por mim a imaginá-lo reproduzido num formato menor, que beneficiaria o traço, ‘escondendo’ o vazio de alguns fundos, a falta de pormenores nalguns rostos, a ausência de dinamismo e movimento nalgumas cenas… Embora, em termos de planificação e da condução do leitor ao longo da narrativa, o trabalho de Santagati mereça nota bem mais positiva.
O nascimento dos deuses, se cronologicamente é posterior a alguns dos volumes já publicados, de certa forma surge como ponto de partida pois narra-nos como os deuses do Olimpo grego chegaram a existir. Se a base já é de si bastante interessante - digo eu, outra vez - a forma viva, descontraída e envolvente como nos é narrada multiplica a capacidade de prender o leitor e de o levar a encarar como normal tudo aquilo que nela acontece.
Um pouco como num história de super-heróis - por exemplo - temos de aceitar as especificidades desse universo para fruir plenamente a leitura, no caso presente estamos também perante um universo - ficcional, pois claro - com regras próprias, que temos de interiorizar.
Só assim, seremos capazes de deixar que se sucedam perante os nossos olhos parricídios, incestos, engolir filhos vivos - que crescerão (literalmente!) no estômago do pai - e, também, factos mais ‘normais’ como traições, conspirações, alianças interesseiras e a constante luta pelo poder - pelo sexo, pelo domínio, pelos privilégios, pela atenção…
Questões, afinal, bem humanas que os deuses copiaram dos homens - e não o contrário!

Nota final 1
Sem o impacto do que aconteceu no álbum de Bruno Brazil: Black Program, porque apenas no início de umas poucas frases, também há nos balões de O nascimento dos deuses ‘NN’ invertidos e ‘II’ serifados. Um aspecto que, com certeza, a Gradiva terá em atenção em próximas edições.

Nota final 2
Esta série, como outras que a editora tem em curso ou entretanto iniciou - ou cujos direitos já comprou - são a prova relevante de que a Gradiva pretendia fazer uma aposta muito séria na edição de BD em Portugal. Sem a actual pandemia de Covid-19, o que não teríamos já disponível ou anunciado…
O desejo é que o regresso à normalidade (possível) possa permitir que tudo se venha a concretizar, mesmo que a um ritmo mais brando.

O nascimento dos deuses
Colecção A Sabedoria dos Mitos
Luke Ferry (concepção e escrita)
Clotilde Bruneau (argumento)
Dim. D e Federico Santagati (desenho)
Gradiva
Portugal, Fevereiro de 2020
233 x 313 mm, 56 p., cor, capa dura
ISBN: 9789896169510
16,50 €

(imagens em português disponibilizadas pela Gradiva; prancha em francês disponibilizada pela Glénat; clicar nelas para as aproveitar em toda a sua extensão)

3 comentários:

  1. ´´Deus´´ te ouça, Pedro - em relação ao regresso á normalidade(possível). Mesmo que a um ritmo mais brando, como estavas a dizer. Até porque tenho coleccionado a maior parte destas edições da Gradiva(que são bastante interessantes), e pretendo acabar as respectivas coleções.

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  2. Por falar em Gradiva,alguém sabe se a editora vai continuar a coleção onde estão incluídos os volumes "O Universo", "Os Direitos do Homem"?

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  3. A serie dos descobridores é muito boa!

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