15/06/2020

Cisco Kid #2 El robo de Diablo

Fora das normas

Cisco Kid, como (quase) todas as séries de western, obedece a uns quantos estereótipos -expectáveis - pelo que é necessário procurar noutros aspectos as razões para o seu sucesso e a validação da sua leitura - (ainda) aconselhável… mais de meio século após a sua publicação. No caso presente, a soberba arte de José Luís Salinas e, apesar de tudo, aquilo que distingue este western - a temática romântica e o posicionamento quixotesco de Cisco - da maioria dos outros.
Ou não, quando as narrativas com que nos deparamos contrariam as ‘normas’ acima expressas e se sustentam por si só.
Voltemos um pouco atrás. Cisco Kid, a tira diária de imprensa, estreou-se nos jornais norte-americanos em 1951. Na sua origem remota, estava um breve conto de O. Henry, The Caballero's Way, datado de 1907. A partir de meados da década seguinte e até finais de 1950, foram diversas as adaptações e variações sobre o tema, principalmente no cinema e na rádio - quase 30 filmes e mais de 600 episódios radiofónicos.
Tentando aproveitar o sucesso da personagem, houve umas quantas tentativas (discretas...) de o adaptar em quadradinhos, sob a forma de comic-book, mas foi a tira diária que o levou a mais de 150 periódicos norte-americanos e a um bom número de países por todo o mundo, incluindo Portugal onde se estreou, no Mundo de Aventuras #87, menos de três meses após ser dado a conhecer nos EUA.
A nota distintiva da série, como escrito atrás, é o carácter cavalheiresco e sedutor do protagonista que lhe dá título, o que lhe causa mais problemas do que propriamente os bandidos do mais variado género que tem de enfrentar. O fascínio que exerce junto das (belas) damas do velho Oeste não o impede de ser hábil, tanto com os punhos quanto com as armas, habilidades que alia à inteligência e ao engenho.
Ao seu lado, como contraponto cómico, está Pancho, um mexicano avantajado e trapalhão, que apesar disso se revela muito útil a Cisco mais do que uma vez.
Se o pendor romântico de Cisco - e da série - podem ter contribuído para a celebrizar - pela diferença - é inegável que para isso contribuiu também a soberba arte do argentino José Luis Salinas, que esta edição da Libri Impressi, de Manuel Caldas, reproduz com a superior qualidade a que já nos habituou e num formato (algo) generoso - embora distante do dos originais que - apenas a título de exemplo - corresponderia aproximadamente à área total desta edição aberta de par em par!
Isso pode ser comprovado na primeira dupla página do livro, que reproduz uma das tiras de Salinas que, apesar de pensada para ser reproduzida (muito) mais pequena, se revela sem mácula em termos de técnica, representação anatómica, preenchimento dos fundos ou pormenores. Ou seja, se se já brilha tanto neste formato, não admira que a sua redução nos ponha perante uma das mais dinâmicas, elegantes e virtuosas tiras de imprensa.

Encerrado este (afinal longo) intróito recapitulativo - com muita da informação retirada da consistente introdução de Tristan Cardona que abre este volume - vamos então abordar os três relatos - ou dois e meio? - que compõem este El Robo de Diablo, segundo volume da edição - que desej(am)o(s) integral - deste western pelo selo editorial de Manuel Caldas.
Compilação das tiras diárias de 15 de Outubro de 1951 a 19 de Julho de 1952, abre com um relato que apesar de algum pendor tradicionalista em que Cisco enfrenta assaltantes de diligência, por detrás dos quais está uma conspiração de contornos mais amplos, apresenta algumas surpresas no curso da narrativa, uma ou outra traição e alguns pormenores invulgares que fazem dele uma boa proposta clássica, curiosamente com a particularidade da faceta romântica de Cisco ser deixada de de lado.
Mas, a bela surpresa - em termos de fuga aos tais estereótipos - surge nos dois relatos seguintes que, em boa verdade, se podem considerar um só, pois estão intimamente interligados. Na primeira parte, a participação de Cisco num rodeo, e a consequente humilhação do rival de circunstância, levam este a orquestrar uma vingança que passa pelo roubo do cavalo do protagonista, uma daquelas montadas 'espertinhas' que marcaram uma época, a par dos canídeos igualmente (muito) dotados do ponto de vista cerebral. Pelo meio há uma das tais (belas) damas que tenta conquistar Cisco fazendo-lhe ciúmes com Pancho, num crescendo de equívocos que, infalivelmente, acabarão bem para os dois amigos, apesar de um duelo entre ambos.
A cereja no topo do bolo, numa hábil auto-sátira dos criadores destes quadradinhos do cowboy romântico, surge na continuidade daquela, com Cisco a ser aprisionado por facínoras ficando o seu salvamento a cargo de um grupo das suas (potenciais/ex-)namoradas. Com todas as características do western presentes, o episódio vale sobretudo pela fina ironia da inversão de papéis, apresentando-se como um daqueles casos que - quando necessário - nos põe de bem com a série, o género ou o meio narrativo...

Rod Reed (argumento)
José Luís Salinas (desenho)
Colecção Cómics de Prensa
Libros de Papel (Espanha, Maio de 2020)
280 x 235 mm, 88 p., pb, brochado
18,50 €


(imagens disponibilizadas pela Libri Impressi; clicar nelas para as aproveitar em toda a sua extensão)

4 comentários:

  1. Muito bom artigo, meu caro Pedro! É muitíssimo raro ler alguém que escreve sobre a tira diária "The Cisco Kid" sem bater na falsa e já gasta tecla de que "os desenhos são excelentes mas as histórias não prestam". Obrigado

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  2. P. S.: referes as centenas de episódios radiofónicos mas esqueceste-te da serie de televisão.

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  3. P.S. 2: Acabei de verificar no IMDB: 157 episodios ao longos de 7 anos!

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    1. Caro Leónidas II,
      Obrigado pela leitura e pelas adendas.
      Boas leituras!

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