Cisco Kid,
como (quase) todas as séries de western, obedece a uns quantos
estereótipos -expectáveis - pelo que é necessário procurar
noutros aspectos as razões para o seu sucesso e a validação da sua
leitura - (ainda) aconselhável… mais de meio século após a sua
publicação. No caso presente, a soberba arte de José Luís Salinas
e, apesar de tudo, aquilo que distingue este western
- a temática romântica e o posicionamento quixotesco de Cisco - da
maioria dos outros.
Ou não, quando as narrativas com que nos
deparamos contrariam as ‘normas’ acima expressas e se sustentam
por si só.
Voltemos um pouco atrás. Cisco
Kid, a tira diária de imprensa,
estreou-se nos jornais norte-americanos em 1951. Na sua origem
remota, estava um breve conto de O. Henry,
The Caballero's Way,
datado de 1907. A partir de
meados da década seguinte e até finais de 1950, foram diversas as
adaptações e variações sobre o tema, principalmente
no cinema e na rádio - quase 30 filmes e mais de 600 episódios
radiofónicos.
Tentando
aproveitar o sucesso da personagem, houve umas quantas
tentativas (discretas...)
de
o adaptar em quadradinhos, sob a forma de comic-book,
mas
foi a tira diária que o levou a mais de 150 periódicos
norte-americanos e a um bom número de países por todo o mundo,
incluindo Portugal onde se estreou, no Mundo
de Aventuras #87,
menos de três meses após ser dado a conhecer nos EUA.
A
nota distintiva da série, como escrito atrás, é o carácter
cavalheiresco e sedutor do protagonista que lhe dá título, o que
lhe causa mais problemas do que propriamente os bandidos do mais
variado género que tem de enfrentar. O fascínio que exerce junto
das (belas) damas do velho Oeste não o impede de ser hábil, tanto
com os punhos quanto com as armas, habilidades que alia à
inteligência e ao engenho.
Ao
seu lado, como contraponto cómico, está Pancho, um mexicano
avantajado e trapalhão, que apesar disso se revela muito útil a
Cisco mais do que uma vez.
Se
o pendor romântico de Cisco - e da série - podem ter contribuído
para a celebrizar - pela diferença - é inegável que para isso
contribuiu também a soberba arte do argentino José Luis Salinas,
que esta edição da Libri Impressi, de Manuel Caldas, reproduz com a
superior qualidade a que já nos habituou e num formato (algo)
generoso - embora distante do dos originais que - apenas a título de
exemplo - corresponderia aproximadamente à área total desta edição
aberta de par em par!
Isso
pode ser comprovado na primeira dupla página do livro, que reproduz
uma das tiras de Salinas que, apesar de pensada para ser reproduzida
(muito) mais pequena, se revela sem mácula em termos de técnica,
representação
anatómica, preenchimento dos fundos ou pormenores. Ou seja, se se já
brilha tanto
neste formato, não admira que a sua redução nos ponha perante uma
das mais dinâmicas, elegantes e virtuosas tiras de imprensa.
Encerrado
este (afinal longo) intróito recapitulativo - com muita da
informação retirada da consistente introdução de Tristan Cardona
que abre este volume - vamos então abordar os três relatos - ou
dois e meio? - que compõem este El
Robo de Diablo,
segundo volume da edição - que desej(am)o(s)
integral - deste western
pelo selo editorial de Manuel Caldas.
Compilação
das tiras diárias de 15 de Outubro de 1951 a 19 de Julho de 1952,
abre com um relato que apesar de algum pendor tradicionalista em que
Cisco enfrenta assaltantes de diligência, por detrás dos quais está
uma conspiração de contornos mais amplos,
apresenta algumas
surpresas no curso da narrativa, uma ou outra traição e alguns
pormenores invulgares que
fazem
dele uma boa proposta
clássica,
curiosamente
com a
particularidade da faceta romântica de Cisco ser deixada de de lado.
Mas,
a bela surpresa - em termos de fuga aos tais estereótipos - surge
nos dois relatos seguintes que, em boa verdade, se podem considerar
um só, pois estão intimamente interligados. Na
primeira
parte,
a participação de Cisco num rodeo,
e a consequente humilhação do rival de circunstância, levam este a
orquestrar uma vingança que passa pelo roubo do cavalo do
protagonista, uma daquelas montadas 'espertinhas' que marcaram uma
época, a par dos canídeos igualmente (muito)
dotados
do ponto de vista cerebral. Pelo meio há uma das tais (belas) damas
que tenta conquistar Cisco fazendo-lhe ciúmes com Pancho, num
crescendo de equívocos que, infalivelmente, acabarão bem para os
dois amigos, apesar de um duelo entre ambos.
A
cereja no topo do bolo, numa hábil auto-sátira dos criadores destes
quadradinhos do
cowboy
romântico,
surge na continuidade daquela, com Cisco a ser aprisionado por
facínoras ficando o seu salvamento a cargo de um grupo das suas
(potenciais/ex-)namoradas. Com todas as características do western
presentes, o episódio vale sobretudo pela fina ironia da inversão
de papéis, apresentando-se como um daqueles casos que - quando
necessário - nos põe de bem com a série, o género ou o meio
narrativo...
Rod
Reed (argumento)
José
Luís Salinas (desenho)
Colecção
Cómics de Prensa
Libros
de Papel (Espanha, Maio de 2020)
280
x 235 mm, 88 p., pb, brochado
18,50
€
(imagens disponibilizadas pela Libri Impressi;
clicar nelas para as aproveitar em toda a sua extensão)
Muito bom artigo, meu caro Pedro! É muitíssimo raro ler alguém que escreve sobre a tira diária "The Cisco Kid" sem bater na falsa e já gasta tecla de que "os desenhos são excelentes mas as histórias não prestam". Obrigado
ResponderEliminarP. S.: referes as centenas de episódios radiofónicos mas esqueceste-te da serie de televisão.
ResponderEliminarP.S. 2: Acabei de verificar no IMDB: 157 episodios ao longos de 7 anos!
ResponderEliminarCaro Leónidas II,
EliminarObrigado pela leitura e pelas adendas.
Boas leituras!