06/11/2020

A vida é bela, se não desistires

De outro tempo




Originalmente publicada em 1996, descoberta pelos portugueses aquando da passagem do autor, Seth, pelo Salão Internacional de BD do Porto, com edição lusa que chegou a ser anunciada há algumas décadas, A vida é bela, se não desistires é uma obra de outro tempo. Por tudo o que fica escrito e também pelas razões que a seguir descobrirão.


Vamos por partes. A vida é bela, se não desistires é uma obra da linha auto-biográfica em voga nos anos 1990, onde, de certa forma, o romance (novela...) gráfico deu os primeiros passos afirmativos. Seth - mais tarde responsável, por exemplo, pelo grafismo da colecção que a Fantagraphic Books dedicou aos Peanuts (e de que a Afrontamento publicou em português os primeiros 6 volumes) - como outros autores que o acompanharam naquela visita ao Porto - Chester Brown, Joe Matt, Julie Doucet, Adrian Tomine, então como representantes da Drawn & Quarterly, contava a sua vida - ou partes dela - no seu comic-book Palloka Ville - em que A vida é bela, se não desistires nasceu, entre 1993 e 1996 - revelando-se, às suas obsessões, aos seus anseios, numa curiosa auto-exposição para alguém (aparentemente?) tão inseguro. Embora, entre nostalgia saudável e doentia prisão ao passado, a fronteira entre a auto-biografia e a vida ficcionada se possa revelar difusa.


Autor de um traço delicado - reflexo de traços clássicos de outro(s) tempo(s) - em
A vida é bela, se não desistires Seth usa como ponto de partida a sua descoberta casual de um cartoon, assinado por um certo Kalo, nos anos 1950. O fascínio pelo traço daquele autor de que nunca ouvira falar, leva-o a tentar saber quem foi aquele desenhador e a empreender uma busca por outras obras por ele publicadas.

Essa busca - longa de meses - feita em arquivos de jornais e em armazéns de alfarrabistas, junto de amigos como Chester - Brown, ele mesmo! - e conhecidos, é assim, de certa forma, também uma BD de outro tempo - intrinsecamente - porque revela, mostra - esfrega-nos na cara! - uma época em que não corríamos feito loucos, em que não estávamos presos a ecrãs de telemóvel, computador ou outros, em que uma pesquisa podia demorar dias, meses, anos...

Por tudo isto, A vida é bela, se não desistires decorre perante os nossos olhos a um ritmo deliciosamente - exasperadamente, para alguns - lento, ao ritmo dos avanços e recuos, das inseguranças e das obsessões de Seth, da cumplicidade de Chester, da sua complicada relação com a mãe e o irmão e as ocasionais namoradas, acima de tudo consigo mesmo.


Deambulando pelas recordações - e os locais - da sua infância, tentando encontrar neles a justificação para o que é hoje,
o Seth de papel vai-se aproximando do seu objectivo numa exemplar capacidade narrativa, apoiada num traço fino, suave e delicado, tão ou mais eloquente do que os seus diálogos concisos e assertivos, pintado com um único tom de azul que realça sombras e volumes.

Não vou revelar o que acontece, apenas terminar de forma que nos tempos actuais pode soar estranha: por vezes, a procura pode ser tão ou mais importante que a consequente (ou eventual) descoberta...


A vida é bela, se não desistires

Novela Gráfica 2020

Seth

Levoir/Público

Portugal, 7 de Novembro de 2020

192 p., pb+azul, capa dura

10,90 €


(imagens disponibilizadas pela editora; clicar nelas para as aproveitar em toda a sua extensão)

10 comentários:

  1. Este comentário foi removido pelo autor.

    ResponderEliminar
  2. Arriscaria a dizer que é a mais importante BD editada nos últimos anos em Portugal e merecia uma edição cuidada em todos os aspectos - tipo de papel, gramagem, impressão, tradução, etc... o que, avaliando pelo se tem passado nesta coleção, não augura nada de bom. Espero que o Pedro nos possa dar a sua avaliação...

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Eu não iria tão longe... Sendo uma belíssima obra, vem com algum atraso, não tendo a relevância que teve quando foi lançada.
      Quanto aos outros aspectos, da tradução não vou falar... e tão cedo não poder avaliar o livro-objecto por razões que não interessam para aqui.
      Boas leituras!

      Eliminar
  3. Acabei de adquirir esta obra que já possuía em edições originais. Digo edições, porque possuo a versão em capa mole e a dura, que surgiu mais tarde. É com base nestas duas edições da Drawn & Quaterly que irei fazer a minhas observações:

    1) Congratulo-me pela 1ª edição, que apesar de bastante tardia relativamente à original, não deixa de ser um marco no mercado português.

    2) Quando anunciado há alguns meses atrás, fiquei expectante quanto da edição original seria respeitada pela edição portuguesa.
    A característica desta coleção da Levoir é terem optado por razões de custo, por um tipo de papel de baixa gramagem para todas as obras. Portanto, se por aí não esperava surpresas, outras coisa se passou que quanto a mim altera o espírito da obra na sua experiência visual.
    Assim, o papel branco dá ao contrário das ditas edições da D&Q, um ar "lavado" ás páginas, enquanto que a tonalidade amarelada original, se adequava mais ao sentimento prevalecente na obra de uma nostalgia pelo passado.

    3) Reparei também que com espanto, mas sem surpresa, que a legendagem prestou um péssimo serviço à leitura desta. Não sendo a 1ª vez que esta é deturpada em relação ao original (e não falando da tradução), a escolha das fontes e do tamanho de impressão, parecem não ter tido em conta que o leitor que não tenha uma grande acutilância visual, irá sentir dificuldade em ler o texto.
    Se percebendo, que não havendo uma fonte baseada no tipo de letra desenhado pelo autor, é justificável a escolha de outra, já não consigo perceber a falta de esforço para replicar o aspecto desta, tamanho e experiência de leitura.

    4) Diria que para uma obra tão importante e para um autor aclamado, e que esteve presente em 1996 em Portugal no famigerado Salão de BD do Porto, se não explica como não houve uma editora lusa a ter a "audácia" de uma edição digna. Resta-nos a Levoir, que apesar de tudo, poderia e deveria ter prestado um melhor produto final.

    ResponderEliminar
  4. Obrigado, já poupei uns trocos.

    Há livros de Levoir que só com muito esforço e uma lupa para se perceber alguma coisa mas a o prazer da leitura já ficou estragada, a ASA de vez em quando também lhe dá para isso.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. No original já não é lá muito ilegível mas aqui é exagero, só lá vai digitalizado e aumentando no computador.

      Eliminar
  5. Mais um "excelente" serviço da Levoir.... editar por editar, com pouco critério e pouca atenção ao pormenor. Façam um favor a vocês mesmos e invistam na edição original.

    ResponderEliminar
  6. De facto não sou muito de criticar, mas realmente em relação ao tamanho da legendagem nem com a minha visão de há 30 anos atrás, só mesmo com uma lupa. Aqui não se poderia ter aumentado o tamanho do livro ?

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. A edição da Levoir segue o formato e a fonte da edição original... Não sei se teria sido autorizada uma edição maior, mas sei que foi complicado conseguir incluir esta obra na colecção...
      Tive a edição francesa durante anos e o diminuto tamanho da letra levou-me a adiar a leitura durante anos! Mesmo tendo os franceses optado por adaptar e resumir o texto em vez de o traduzirem...
      Boas leituras!

      Eliminar
    2. um pequeno reparo... o formato original é comic book, logo maior do que o formato das posteriores compilações que a Levoir (creio) seguiu. Um bom livro, mas de leitura (quase) impossível.

      Eliminar