05/11/2020

O Raio "U"

A meio caminho


Publicado em 1943, nas páginas da revista Bravo, O Raio U é a obra de estreia de Edgar P. Jacobs como autor completo de BD.

Com um sabor ingénuo e nostálgico, pode ser caracterizada como uma obra a 'meio caminho'.

A meio caminho entre duas obras que de alguma forma balizaram o percurso de Jacobs.


A primeira, é
Flash Gordon, de Alex Raymond. Em publicação em França, na revista Bravo, durante a II Guerra Mundial, teve de ser suspensa devido à ocupação nazi que inviabilizou a importação das pranchas americanas. A solução, na época, foi recorrer a Jacobs para terminar a aventura que estava em curso.

Em O Raio "U", não é difícil relacionar Lorde Calder com Flash Gordon, o Professor Marduk com o doutor Zarkov e Sylvia com Dale Arden - embora aqui a relação entre Calder e a jovem seja absolutamente à prova de qualquer tipo de romance. E também não é difícil fazer a ligação entre o planeta Mongo imaginado por Raymond e o mundo perdido no tempo em que Jacobs mergulha as suas personagens.

Mas, olhando sob outro prisma, também podemos antever Marduk como o futuro professor Mortimer, Calder como o capitão Blake, Adji como Nasir e até o capitão Dagon como antecessor de Olrik. Obviamente, deste ponto de vista, Sylvia surge completamente deslocada em relação à nome ame Blake & Mortimer...


Em termos temáticos, aliás, este segundo olhar parece mais justificado, pois de certa forma aparecem na história protótipos do futuro Espadão, paisagens pré-históricas como em
A Armadilha Diabólica e um metal precioso, o urádio, muito semelhante ao oricalco de O Enigma da Atlântida.

Narrativamente, o rigor e a obsessão pelo real e credível que caracterizaram Jacobs está ausente deste relato, que surge como uma aventura fantástica que parece escrita e desenhada ao correr do pincel. O tom, aos nosso olhos actuais, é algo ingénuo e simplista, com as situações limite a sobreporem-se umas às outras e há evidentes problemas de proporcionalidade ao longo das páginas. Em sentido oposto, há que notar que a redundância texto/desenho que será outra imagem de marca do pai de Blake e Mortimer e o excesso de textos narrativos, surgem aqui bastante atenuados, num relato em que predomina a acção, quando um grupo de norlandianos, uma raça humana tecnologicamente avançada. se vê forçado a atravessar um mundo primitivo habitado por animais gigantescos, para encontrarem um metal raro que lhes permita continuar a desfrutar dos seus inventos.


ASA, não e sim

Não, nunca: Vender este álbum como sendo Blake e Mortimer como está patente no site da Leya, ou fazer-lhe uma colagem grosseira à futura criação de Jacobs, como acontece no texto enviada aos blogs, não fica nada bem à ASA. Mesmo que fosse apenas ignorância.

Dizer a verdade, apresentando Jacobs como autor de B&M e também deste álbum, faria todo o sentido e, possivelmente teria o mesmo efeito em termos de vendas.


Sim? Depois do primeiro título de Murena, esta é a segunda reedição do ano que a ASA leva a cabo. Podendo-se questionar a escolha do titulo reeditado e nao sabendo para já se são apenas dois casos isolados (porquê?) ou o início de uma política consistente, não deixa de ser uma nota positiva, porque seria bom que alguns títulos estivessem sempre disponíveis no nosso mercado.


O raio "U" (reedição)

Edgar P. Jacobs

ASA

Portugal, Outubro de 2020

236 x 310 mm, 48 p., cor,

15,90 €


(versão francamente desenvolvida do texto publicado no Jornal de Notícias de 26 de Outubro de 2020; imagens disponibilizadas pela ASA; clicar nelas para as aproveitar em toda a sua extensão)

5 comentários:

  1. Sempre encarei esta obra como inspirada nos "serials", aquelas aventuras episódicas muito comuns nos anos 30 cujos capítulos acabavam sempre em cliffhangers e que foram a génese das aventuras do Indiana Jones.

    Eram ingénuas e muito primitivas, centradas nas aventuras a todo o custo e em que os elementos de fantasia eram maiores que a vida, com muitos elementos estranhos à mistura.

    Neste âmbito o "Raio U" sobreviverá sempre como uma homenagem da época, não teve o Flash Gordon um serial seu nos anos 30 interpretado por Buster Crabbe sempre enfiado em situações impossíveis?

    Como puto achava a ausência de romance uma mais-valia pois apenas roubava espaço para mais aventuras.



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  2. É sempre reconfortante ver a ASA a apostar em novos títulos, novos autores, a arriscar a edição de obras inovadoras, narrativas e arte diferenciadas, em diversificar e alargar o seu catálogo...

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    1. Uma coisa não impede a outra...
      Mas, claramente, o papel actual da ASA na edição de BD não passa por "obras inovadoras, narrativas e arte diferenciadas". O que também não tem de ser negativo.
      Boas leituras!

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  3. É óbvio que sim Pedro, mas no meu sarcasmo apenas quis evidenciar que a ASA à muito que deixou de ser uma editora de BD e gere apenas (alguns) poucos títulos para justificar a sua existência. Quanto à reposição de títulos clássicos nada tenho contra, antes pelo contrário.

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    1. Eu sei, mas 'essa' ASA já não existe... E esse papel cabe agora a outros: G. Floy, A Seita, Levoir...
      Boas leituras!

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