12/11/2020

Tom Sawyer

Adaptar





Continuo a defender que uma boa adaptação em BD de uma obra literária - o que me interessa no caso presente - depende de três pontos fulcrais: a fidelidade ao original, a sua autonomia no novo género narrativo e o conhecimento prévio que o leitor tem - ou não - do original.

Vou começar pelo fim. No caso da colecção Clássicos da Literatura em BD - uma feliz iniciativa Levoir/RTP e, segundo parece, um assinalável sucesso de vendas - conhecer ou não o romance faz toda a diferença. Estamos perante livros com quarenta e tal pranchas de BD, por isso os 'cortes' à narrativa original, na versão BD, são inevitáveis.

No que diz respeito a este Tom Sawyer, por exemplo, desapareceu uma das mais emblemáticas cenas do romance original de Mark Twain: a pintura da cerca , tarefa para a qual Tom consegue seduzir os amigos para a realizar. Para além disso - aqui numa opção autoral que suponho estar relacionada com os tempos 'politicamente correctos' que vivemos - o seu lado traquina e rebelde surge bastante atenuado, bem como a intensidade - e não leiam o que aqui não está! - da sua paixão por Betty. O que, na verdade, não trai de forma irremediável, o espírito do livro que serviu de ponto de partida, nem leva a questionar a actual narrativa.

[Para quem desconheça, Tom Sawyer narra as traquinices e as aventuras de Tom Sawyer e dos seus amigos Huck e Betty, numa pequena comunidade rural do Missouri, no final do século XIX.]

Continuando, e por paradoxal que pareça, atrevo-me mesmo a escrever que, com excepção de Alice no país das maravilhas - que na origem teve dois álbuns, ou seja cerca do dobro das páginas de BD - esta é, até agora a melhor 'banda desenhada' da colecção.

Aos meus olhos de 'conhecedor do original' A Volta ao Mundo em 80 Dias surgia demasiado retalhada e com um estranho recurso a trechos literais do texto de Verne. Dickens é um dos meus ódios literários de estimação e a minha leitura de Oliver Twist foi influenciada por essa relação de ódio/ódio (!) para além de os autores não terem sido especialmente felizes. Quanto à Odisseia surpreendeu-me agradavelmente, apesar de alguma rudeza do traço e alguns excessos de texto.

Voltando a este Tom Sawyer, quase não utiliza textos de apoio ou descritivos, sendo os diálogos e a acção auto-suficientes para sustentar e desenvolver toda o relato. Graficamente ostenta um bom equilíbrio entre as cenas de acção e as outras que a preparam, e o traço vivo e dinâmico, a mei caminho entre o realista e o caricatural, perfeitamente de acordo com o tom adoptado, confere vida à história que decorre a bom ritmo.

Quero com isto significar que estamos perante uma boa banda desenhada, capaz de agradar a leitores habituais do género? Com certeza que não, mas acho que estamos perante uma boa adaptação de Tom Sawyer em banda desenhada, na óptica de cativar para a leitura o seu público-alvo - crianças e adolescentes - e eventualmente despertar o interesse pela versão original. Cumpre o seu propósito, portanto.


Tom Sawyer

Colecção Clássicos da Literatura em BD

Caterina Mognato (argumento)

Danilo Lozedda (desenho

Levoir/RTP

Portugal, Outubro de 2020

210 x 285 mm, 64 p., cor,

1o,90 €


(imagens disponibilizadas pela Levoir; clicar nelas para as aproveitar em toda a sua extensão)

3 comentários:

  1. Na minha opinião :a coleção é má. Os desenhos são medíocres.
    Não estou a comprar.

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  2. A coleção parece-me sobretudo um produto de marketing bem pensado e a ideia era boa, mas tenho espreitado os álbuns e o traço não me cativou minimamente. Também passo.

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  3. A colecção é, sem dúvida, um bom produto de marketing. Mas deve ser encarada como um produto direccionada para uma faixa etária jovem, que geralmente não lê BD. A maior parte dos volumes com certeza saberão a pouco a quem está habituado a ler banda desenhada.
    Boas leituras!

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