Adaptar
Continuo a defender que uma boa adaptação em BD de uma obra literária - o que me interessa no caso presente - depende de três pontos fulcrais: a fidelidade ao original, a sua autonomia no novo género narrativo e o conhecimento prévio que o leitor tem - ou não - do original.
Vou começar pelo fim. No caso da colecção Clássicos da Literatura em BD - uma feliz iniciativa Levoir/RTP e, segundo parece, um assinalável sucesso de vendas - conhecer ou não o romance faz toda a diferença. Estamos perante livros com quarenta e tal pranchas de BD, por isso os 'cortes' à narrativa original, na versão BD, são inevitáveis.
No que diz respeito a este Tom Sawyer, por exemplo, desapareceu uma das mais emblemáticas cenas do romance original de Mark Twain: a pintura da cerca , tarefa para a qual Tom consegue seduzir os amigos para a realizar. Para além disso - aqui numa opção autoral que suponho estar relacionada com os tempos 'politicamente correctos' que vivemos - o seu lado traquina e rebelde surge bastante atenuado, bem como a intensidade - e não leiam o que aqui não está! - da sua paixão por Betty. O que, na verdade, não trai de forma irremediável, o espírito do livro que serviu de ponto de partida, nem leva a questionar a actual narrativa.
[Para quem desconheça, Tom Sawyer narra as traquinices e as aventuras de Tom Sawyer e dos seus amigos Huck e Betty, numa pequena comunidade rural do Missouri, no final do século XIX.]
Continuando, e por paradoxal que pareça, atrevo-me mesmo a escrever que, com excepção de Alice no país das maravilhas - que na origem teve dois álbuns, ou seja cerca do dobro das páginas de BD - esta é, até agora a melhor 'banda desenhada' da colecção.
Aos meus olhos de 'conhecedor do original' A Volta ao Mundo em 80 Dias surgia demasiado retalhada e com um estranho recurso a trechos literais do texto de Verne. Dickens é um dos meus ódios literários de estimação e a minha leitura de Oliver Twist foi influenciada por essa relação de ódio/ódio (!) para além de os autores não terem sido especialmente felizes. Quanto à Odisseia surpreendeu-me agradavelmente, apesar de alguma rudeza do traço e alguns excessos de texto.
Voltando a este Tom Sawyer, quase não utiliza textos de apoio ou descritivos, sendo os diálogos e a acção auto-suficientes para sustentar e desenvolver toda o relato. Graficamente ostenta um bom equilíbrio entre as cenas de acção e as outras que a preparam, e o traço vivo e dinâmico, a mei caminho entre o realista e o caricatural, perfeitamente de acordo com o tom adoptado, confere vida à história que decorre a bom ritmo.
Quero com isto significar que estamos perante uma boa banda desenhada, capaz de agradar a leitores habituais do género? Com certeza que não, mas acho que estamos perante uma boa adaptação de Tom Sawyer em banda desenhada, na óptica de cativar para a leitura o seu público-alvo - crianças e adolescentes - e eventualmente despertar o interesse pela versão original. Cumpre o seu propósito, portanto.
Tom Sawyer
Colecção Clássicos da Literatura em BD
Caterina Mognato (argumento)
Danilo Lozedda (desenho
Levoir/RTP
Portugal, Outubro de 2020
210 x 285 mm, 64 p., cor,
1o,90 €
(imagens disponibilizadas pela Levoir; clicar nelas para as aproveitar em toda a sua extensão)
Na minha opinião :a coleção é má. Os desenhos são medíocres.
ResponderEliminarNão estou a comprar.
A coleção parece-me sobretudo um produto de marketing bem pensado e a ideia era boa, mas tenho espreitado os álbuns e o traço não me cativou minimamente. Também passo.
ResponderEliminarA colecção é, sem dúvida, um bom produto de marketing. Mas deve ser encarada como um produto direccionada para uma faixa etária jovem, que geralmente não lê BD. A maior parte dos volumes com certeza saberão a pouco a quem está habituado a ler banda desenhada.
ResponderEliminarBoas leituras!