Entre
nós, a banda desenhada para crianças, um dos mais importantes
vectores deste
mercado específico, tem sido tradicionalmente esquecida e descuidadapelas
editoras, talvez porque alguns continuem achar que esta é uma arte
(apenas) para crianças logo todas as obras são para elas
vocacionadas.
Segunda
entrevista do mês, no âmbito da colecção Clássicos da Literatura Portuguesa em BD, editada pela Levoir e a RTP, apresenta
as opiniões de Carina Correia e Joana Afonso, responsáveis pela
adaptação de Maria Moisés,
de Camilo Castelo Branco.
As
respostas, obtidas por correio electrónico, estão já a seguir.
No
atual panorama editorial de banda desenhada europeia, com algumas
ramificações noutras latitudes, há duas constatações
inevitáveis. A primeira, o crescimento exponencial da adaptação de
romances da literatura, de certa forma num regresso a uma prática
que algumas décadas atrás tinha outras justificações. A segunda,
umbilicalmente ligada à primeira, é a qualidade de muitas dessas
versões que recriam de forma completa e memorável, numa nova
linguagem, as histórias dos romances originais. O
Deus das Moscas,
assinado por Aimée de Jongh, que a ASA acaba de editar em simultâneo
com a edição original, é um dos exemplos possíveis.
Se
alguns destes clássicos que a colecção Levoir/RTP são desafiantes
pela forma como os autores conseguem recriar obras que todos
(re)conhecem, outros surpreendem por adaptarem
criações 'obscuras' - passe o exagero - dos grandes escritores
portugueses, como é o caso deste Maria
Moisés,
saído da pena de Camilo Castelo Branco.
Depois
do muito aconselhável Uma estrela de algodão negro
(Ala dos Livros, 2023), com O
combate de Henry Fleming,
Steve Cuzor, agora a solo, afirma-se como um dos grandes cronistas
gráficos actuais da guerra, pela forma como o seu traço preto
contrastante, realista e revelador nos mostra horrores inomináveis.
Sexto
volume da oitava série da colecção Novela
Gráfica,
em curso, O
desaparecimento de Josef Mengele é
(mais) uma adaptação de um romance, no caso a obra homónima de
Olivier Guez, e centra-se nos últimos anos de vida de Joseph Mengele
e no seu estado de espírito.
Não
é a primeira vez que a banda desenhada adapta O
Inferno de Dante,
incluindo uma versão Disney de texto integral, mas possivelmente o
horror e a grandiosidade daquele local de castigo eterno, capaz de
provocar temores no mais corajoso e íntegro, nunca foram retratados
de uma forma tão magnífica e espectacular como nesta versão dos
irmãos Paul e Gaëtan Brizzi, que A Seita e a Arte de Autor
disponibilizaram em português desde a passagem do primeiro pela edição deste ano do Maia BD.
Durante
décadas, primeiro devido à censura do regime fascista, depois pela
maior qualidade e preço mais barato do material importado, a banda
desenhada nacional circunscreveu-se, em grande medida, às temáticas
históricas ou à adaptação de obras literárias. De
certa forma num retorno a essas origens, depois de algumas
experiências soltas, desde Fevereiro a parceria Levoir/RTP tem
colocado em bancas e livrarias a colecção Clássicos
da Literatura Portuguesa em BD,
com versões feitas de raiz por criadores nacionais e brasileiros. A
Dama Pé de Cabra,
em que Manuel Morgado revisita o conto de Alexandre Herculano, é um
dos exemplos mais recentes.