25/02/2021

Crónicas da Birmânia


Guia turístico...


Depois de narrar as suas viagens a Pyongyang e Shenzen, Guy Delisle leva-nos desta vez com ele até à Birmânia (como se chamava noutros tempos) - ou Myanmar (como se diz agora), que (infelizmente...) está de novo no topo da actualidade - narrando-nos o ano que lá passou a acompanhar a sua mulher, membro dos Médicos Sem Fronteiras.
Entre o guia turístico (pouco), apontamentos locais e embirrações pessoais, este é um livro mais divertido e informativo do que à partida poderia parecer.

Obra inevitavelmente auto-biográfica, centrada no quotidiano do próprio autor, que surge como personagem principal, em torno de quem tudo gira - ou pelo menos devia - Crónicas da Birmânia segue exactamente o mesmo tom e grafismo dos dois outros livros citados.

O traço de Delisle é simples, próximo do cartoon, raramente pormenorizado, várias vezes sem grandes fundos de vinhetas, para destacar aquilo que o autor narra e quer transmitir. Isto não significa que lhe falte expressividade e muitas vezes é até surpreendente o que Delisle consegue fazer (no seu próprio rosto) com apenas os dois pontos dos olhos e a boca (entre um traço e uma linha curva nem sempre fechada).

O tom é quase sempre divertido, fruto das sucessivas antipatias do protagonista com (quase) tudo o que o rodeia: os habitantes locais, os seus costumes, as fortes restrições impostas pelo regime, o clima, as falhas de electricidade e/ou internet, a pouca oferta comercial a todos os níveis... Com isso, consegue transformar (quase) numa vida desgraçada, uma existência calma e pacífica que muitos seríamos capazes de invejar.

No entanto, apesar de ser esse o tom dominante - possivelmente para dar legibilidade à obra e torná-la mais acessível - Delisle não deixa de dar uma noção geral do trabalho das ONG de carácter humanitário no terreno e, de transmitir uma série de costumes e hábitos locais (muito) diferentes e, mais ainda, quase como de passagem ou de quem não quer a coisa, de fazer uma crítica ao regime vigente, representando-o tal como é, num acumular absurdo de restrições, proibições e limitações que para nós, europeus (no caso) quase custam a levar a sério.


Crónicas da Birmânia
Guy Delisle
Devir
Portugal, Novembro 2020
170 x 245 mm, 268 p., pb+cinza, capa dura
24,99 €

(versão longa do texto publicado no Jornal de Notícias de 20 de Fevereiro de 2021; imagens disponibilizadas pela Devir; clicar nelas para as aproveitar em toda a sua extensão)

4 comentários:

  1. Esta série de crónicas do Delisle, de que só fica a faltar a de Jerusalém, é magnífica.
    Aprende-se imenso sobre países e locais "exóticos" para nós europeus, e são muito divertidos, como bem assinalas.
    Náo conhecemos a real disposição com que ele aceita seguir a mulher, funcionária da ONG Médecins sans Frontières (MSF), para estes locais complicados, e, por lentes antiquadas, fazer de "doméstica"ou"sopeira", "ama seca" ou "au pair", mas eu creio que ele o faz com grande bonomia, verdadeira dedicação e amor à sua mulher e à sua família.

    Este franco-canadiano uma vida muito rica de experiência humana, mostrando uma enorme curiosidade por formas diferentes de viver. Creio que também vê estas estadas como uma pequena contribuição para a notável ação da MSF :-)

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    1. Só neste caso é que acompanhou a mulher no âmbito do trabalho dela nos MSF, cujo trabalho ele destaca no livro. Os outros dois livros - Pyongyang e Shenzen - surgem na sequência de estadias de trabalho na Coreiua do Norte e na China, no âmbito da sua actividade na área do cinema de animação.
      Boas leituras!

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  2. Já agora, as obras são Shenzen, Pyonyang e Birmânia, e estão disponíveis em português, numa bela iniciativa da Devir.

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    1. Sim, como indicam os links incluídos no texto.
      Boas leituras!

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