Murena #9 e #10

Dupla continuidade

Disponível desde há poucos dias, a edição portuguesa do décimo volume do Murena - O Banquete - representa uma dupla continuidade.

A da série, após a substituição do desenhador original, Phillipe Delaby, devido à sua morte, e a da edição pela ASA, desta série de fundo histórico que decorre em Roma, durante o reinado de Nero.

No início do terceiro ciclo de Murena, com as consequências do trágico incêndio que devastou a capital do império romano como pano de fundo, Jean Dufaux continua a retratar - com a verdade histórica como base e, paradoxalmente, com uma grande liberdade ficcional como elemento para tornar (mais) apaixonante o relato - as intrigas, traições, oportunismos e devassidão que grassavam na corte de Nero. Com o imperador dividido entre confiar ou duvidar, aceitar ou contradizer, aguardar ou tomar a iniciativa, com uma aura de loucura sempre patente, mas com o seu próprio interesse como farol para as suas acções, a sua reaproximação a Lucio Murena - antigo amigo, companheiro e confidente, que amores divididos, maquinações e oportunistas afastaram - faz soar o alerta entre alguns dos seus conselheiros e novos esquemas são colocados em marcha.

Com a acção partilhada pelos dois protagonistas - Nero e Murena - Dufaux encontra igualmente espaço para irmos acompanhando - de forma pontual ou mais ou menos prolongada - outros intervenientes que vão sobressaindo ou desaparecendo de forma funesta, numa imensa galeria que lhe permite retratar de forma credível e apaixonante, um tempo, uma época e uma realidade, já de si muito atractivos. Dessa forma, entre alianças, desafios e combates - políticos ou literais - desfilam perante os nossos olhos, Simão Pedro, discípulo de Jesus Cristo, o centurião Ruffalo, o deformado Corcunda, os ex-gladiadores Balba e Massam, conselheiros como Séneca e Petrónio ou belas e sensuais mulheres como Cláudia, filha de Ruffalo, ou a irmã de Caio Calpúrnio Pisão.

Com a mudança forçada de desenhador - Delaby faleceu de forma súbita no início de 2014 - a continuidade da série esteve em causa e a publicação deste décimo tomo atrasou - mais ainda em Portugal... - mas a descoberta do italiano Theo Caneshi levou a que ela fosse assegurada. Igualmente possuidor de um traço realista, o novo responsável gráfico foi capaz de se aproximar suficientemente do original, para evitar uma mudança brusca na série, o que é o melhor elogio que se lhe pode fazer. Se é verdade que as suas personagens assumem aqui e ali um aspecto ligeiramente caricatural que era dispensável e não se coaduna com registo global do relato, a verdade é que a sua planificação aparece mais arejada e, sendo as suas vinhetas menos carregadas - Delaby acentuava dessa forma o tom mais negro e sombrio do texto de Dufaux - a leitura flui mais e as cenas mais tórridas e/ou violentas sobressaem.

Com o terceiro volume deste novo ciclo, Lemúria, apontado pela editora para o segundo semestre deste ano, o regresso desta série ao catálogo da ASA, é de saudar - enquanto se aguarda que a sua reedição, que teve início no ano passado, tenha continuidade.

Murena #9 Espinhos
Murena #10 O Banquete
Jean Dufaux (argumento)
Phillipe Delaby e Theo Caneshi (desenho)
ASA
Portugal, Julho 2013 e Maio 2020
225 x 299 mm, 56/64 p., cor, capa dura
16,00/16,50 €

(imagens disponibilizadas pela ASA; clicar nelas para as apreciar em toda a sua extensão)