05/07/2021

Apesar de tudo

Por tudo

...nenhuma lei da física impede o tempo de recuar.”
Zeno, in Apesar de tudo


Se há livros que nos põem bem com a vida - ou pelo menos nos deixam nas nuvens algumas horas, até a dura realidade nos atingir outra vez com força, este é um deles.
Poético, doce, bem-disposto e com um artifício narrativo fabuloso, Apesar de tudo é um daqueles livros que não se podem deixar de ler.

Começo pelo fim (...), pelo tal ‘ artifício narrativo’ que não irei revelar – e sobre o qual até já disse mais do que pensam… - porque seria destruir uma boa fatia do prazer da leitura, mas posso acrescentar que ele não está desligado do (estranho) facto do livro começar no capítulo 20…

Apesar de tudo, belíssima estreia a solo de um desenhador, Jordi Lafebre, que já nos maravilhara e enchera o coração - com Zidrou - em Verões felizes, é uma história de amor, uma comédia romântica, sim, vivida à distância ao longo de décadas, uma história de (fortuitos) encontros e (longos) desencontros, uma história em que o ‘eu’ se sobrepõe sempre - quase sempre, até quando…? - ao ‘nós’, em que os sonhos de cada um e/ou a realização pessoal, não deixam o casal ter lugar, afirmar-se e viver(-se). Embora o amor - o sonho idílico dele… - paire sempre, sobre Zeno - livre pensador, viajante inveterado, marinheiro de muitas viagens - e Ana - mulher de sucesso, política bem-amada e mãe e esposa de família.

Separados pela distância, pelo(s) tempo(s), e pela(s) vida(s) vivem cada um as suas vidas, cheias, plenas, realizados, mas com o outro sempre a pairar, às vezes à curta distância de um estender de braços, outras afastados com mais de meio mundo (literalmente) entre eles.

Narrada de forma leve e descontraída, ao ritmo das cartas que (não) foram trocadas, das realizações que vão (foram) sendo alcançadas, dos sonhos que vão (foram) sendo atingidos, dos ideais que vão (foram sendo) traçados, Apesar de tudo assenta no traço fino, dinâmico e extremamente expressivo de Lafebre, a que não consigo deixar de apontar as disfuncionais e inestéticas orelhas, pormenor ridículo mas incómodo num oceano de beleza estética que, apesar do rigor da planificação - quase sempre 2 x 3 vinhetas - nos guia suavemente como num sonho bom, da mesma forma que as suas personagens tantas vezes parecem pairar acima do solo numa felicidade imensurável.

E, se a tudo isto - por tudo isto - pudesse acrescentar a descrição do artifício utilizado, só possível em BD e em mais nenhum outro género narrativo, perceberiam então plenamente porque este é um livro para deixar o leitor extasiado e de bem com a vida.


Apesar de tudo
Jordi Lafebre
Arte de Autor
Portugal, Junho de 2021
225 x 298 mm, 152 p., cor, capa dura
EAN : 9789895311439
25,00 €

(imagens disponibilizadas pela Arte de Autor; clicar neste link para apreciar outras ou nas aqui mostradas para as aproveitar em toda a sua extensão)

9 comentários:

  1. Um deleite, um prazer. Com uma palete de cores lindíssimas e uma narrativa, na minha perspectiva, muito boa. E o que dizer da edição? Quem gosta de banda desenhada e de boa banda desenhada vivemos momentos únicos em Portugal. Que todos saibamos beneficiar o e deste momento.

    Letrée

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    1. Sem qualquer dúvida, subscrevo completamente.
      Boas leituras!

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  2. Só lamento, uma vez que não habito numa grande cidade, a dificuldade na compra destas obras! Ainda não a consegui comprar, nem sei quando o conseguirei fazer!

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  3. Na Wook nem sequer surge e quando finalmente aparece, demora uma eternidade a ser disponibilizada! Continuo a ser muito crítico relativamente à distribuição por parte destas editoras!

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    1. Mas basta comprar no site da editora e recebe pelo correio...

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  4. Sim, mas gosto sempre de dar "uma vista de olhos" antes de comprar!

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    1. É possível ver várias páginas no site da editora:

      https://artedeautor.pt/produto/apesar-de-tudo-ex-libris/

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    2. E também aqui no blog, como no caso de (quase) todos os lançamentos nacionais: https://outrasleiturasdopedro.blogspot.com/2021/06/lancamento-apesar-de-tudo.html
      Mas suponho que o Diogoi55 referia-se a poder apreciar o objecto livro antes da compra.
      Compreendo a posição dele, mas também sei que com as tiragens curtas que a BD tem em Portugal, uma distribuição completa e exaustiva é praticamente impossível...
      Boas leituras!

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  5. Pedro. Agradeço a resposta e era exactamente a isso que eu me referia: apreciar o livro, antes da compra (com banda desenhada faz todo o sentido)!

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