11/08/2021

Francisco

Para quem?


Embora ainda haja quem pense o contrário, neste tempo que é hoje, em Portugal, já (quase?) ninguém compra tudo o que se edita. Longe vão - felizmente - os tempos em que a BD franco-belga - de que gosto tanto! - monopolizava a edição. [Embora, então, o núcleo duro comprador - de tudo! - fosse mais amplo…]
Hoje em dia, temos BD franco-belga, comics, manga, (alguns) super-heróis, romances gráficos, adaptações de clássicos da literatura, obras que fogem a classificações… e autores portugueses!
E - como Francisco - obras que se dirigem a não-leitores (habituais) de BD.

E, num mercado a sério - seja qual for a sua dimensão, mesmo pequenino, como o português - é importante que existam obras como esta. Ou como os Clássicos da Literatura em BD. Ou como A Sabedoria dos Mitos. Ou como Eles fizeram história Obras cuja particularidade temática ou o público-alvo específico a afastam dos leitores que habitualmente lêem banda desenhada.

Acredito, que nalguns casos, estas obras, lidas na idade/contextos correctos, possam servir (também) de porta de entrada na outra BD, ao mostrarem as potencialidades da narrativa sequencial em imagens.

Pode acontecer com Francisco, uma obra escorreita e competente q.b., que traça um longo retrato biográfico de uma das personalidades actuais mais famosas, veneradas (!) e importantes do nosso planeta - sejam quais forem as nossas crenças ou o ponto de vista sob o qual olhemos para ele.

Chefe da mais importante organização religiosa a nível planetário, responsável último por um dos mais poderosos bancos mundiais, dirigente da maior rede do nosso universo, o papa Francisco - mais consensual do que polémico - é (re)conhecido por todos e isso poderá levar muitos - dentro da dimensão específica que conhecemos em Portugal - a aproximarem-se deste livro. Pelo tema, pela curiosidade que a sua personagem central lhes levanta, porque o acharão a prenda ideal para filhos, netos, sobrinhos, vizinhos…

Narrativamente - com excepção das páginas finais, um pouco mais pesadas em termos de texto - Francisco permite um bom ritmo de leitura. A alternância entre o momento da sua eleição para Papa e os dias que se lhe seguiram e os vários momentos chaves do seu passado, contribuem decisivamente para isso, tal como a planificação relativamente aberta e variada com quebra repetida dos limites das vinhetas e a utilização de imagens de maior dimensão.

Em termos gráficos, a maioria do relato é feita com um traço relativamente simples e sem grandes pormenores, o que aumenta a sua legibilidade - o que é importante tendo em conta a falta de hábitos de leitura de BD que muitos dos seus leitores exibirão. Há algumas cenas particulares - geralmente as mais violentas e, consequentemente, chocantes, que exibem um traço mais sujo e detalhado para quem se quiser demorar mais nelas.

Quanto ao tom, naturalmente favorável ao biografado dado o objectivo da obra, não se inibe de relatar alguns momentos mais questionáveis no longo percurso do padre Jorge Bergoglio até chegar ao lugar máximo da hierarquia da Igreja Católica, embora o seu foco seja a sua dedicação total ao seu ministério de conciliação e de defesa dos mais pobres, a todo o custo.


O sub-título deste texto é assumidamente provocador. Não questiono - tanto quanto é possível fazê-lo - que este livro terá o seu público. Posso ter dúvidas se muitos daqueles que o comprarem ou o receberem como oferta o lerão. Pela sua extensão, pela falta de hábito de leitura de banda desenhada - ou, simplesmente, pela falta de hábitos de leitura.

...mas se não houver edições - destas ou doutras - então é que ninguém (as) lerá. De certeza.


Francisco
Arnaud Delalande (argumento)
Laurent Bidot (desenho)
Yvon Bertorello (colaboração)
Verbo
Portugal, Julho de 2021
220 x 295 mm, 96 p., cor, capa dura
17,50

(imagens disponibilizadas pela Verbo;clicar neste link para ver mais pranchas ou nas aqui exibidas para as apreciar em toda a sua extensão)

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