Embora
ainda haja quem pense o contrário, neste tempo que é hoje, em
Portugal, já (quase?) ninguém compra tudo o que se edita. Longe vão
- felizmente - os tempos em que a BD franco-belga - de que gosto
tanto! - monopolizava a edição. [Embora, então, o núcleo duro
comprador - de tudo! - fosse mais amplo…]
Hoje
em dia, temos BD franco-belga, comics, manga, (alguns) super-heróis,
romances gráficos, adaptações de clássicos da literatura, obras
que fogem a classificações… e autores portugueses!
E
- como Francisco
-
obras que se dirigem a não-leitores (habituais) de BD.
E, num mercado a sério - seja qual for a sua dimensão, mesmo pequenino, como o português - é importante que existam obras como esta. Ou como os Clássicos da Literatura em BD. Ou como A Sabedoria dos Mitos. Ou como Eles fizeram história… Obras cuja particularidade temática ou o público-alvo específico a afastam dos leitores que habitualmente lêem banda desenhada.
Acredito, que nalguns casos, estas obras, lidas na idade/contextos correctos, possam servir (também) de porta de entrada na outra BD, ao mostrarem as potencialidades da narrativa sequencial em imagens.
Pode acontecer com Francisco, uma obra escorreita e competente q.b., que traça um longo retrato biográfico de uma das personalidades actuais mais famosas, veneradas (!) e importantes do nosso planeta - sejam quais forem as nossas crenças ou o ponto de vista sob o qual olhemos para ele.
Chefe da mais importante organização religiosa a nível planetário, responsável último por um dos mais poderosos bancos mundiais, dirigente da maior rede do nosso universo, o papa Francisco - mais consensual do que polémico - é (re)conhecido por todos e isso poderá levar muitos - dentro da dimensão específica que conhecemos em Portugal - a aproximarem-se deste livro. Pelo tema, pela curiosidade que a sua personagem central lhes levanta, porque o acharão a prenda ideal para filhos, netos, sobrinhos, vizinhos…
Narrativamente - com excepção das páginas finais, um pouco mais pesadas em termos de texto - Francisco permite um bom ritmo de leitura. A alternância entre o momento da sua eleição para Papa e os dias que se lhe seguiram e os vários momentos chaves do seu passado, contribuem decisivamente para isso, tal como a planificação relativamente aberta e variada com quebra repetida dos limites das vinhetas e a utilização de imagens de maior dimensão.
Em termos gráficos, a maioria do relato é feita com um traço relativamente simples e sem grandes pormenores, o que aumenta a sua legibilidade - o que é importante tendo em conta a falta de hábitos de leitura de BD que muitos dos seus leitores exibirão. Há algumas cenas particulares - geralmente as mais violentas e, consequentemente, chocantes, que exibem um traço mais sujo e detalhado para quem se quiser demorar mais nelas.
Quanto ao tom, naturalmente favorável ao biografado dado o objectivo da obra, não se inibe de relatar alguns momentos mais questionáveis no longo percurso do padre Jorge Bergoglio até chegar ao lugar máximo da hierarquia da Igreja Católica, embora o seu foco seja a sua dedicação total ao seu ministério de conciliação e de defesa dos mais pobres, a todo o custo.
O sub-título deste texto é assumidamente provocador. Não questiono - tanto quanto é possível fazê-lo - que este livro terá o seu público. Posso ter dúvidas se muitos daqueles que o comprarem ou o receberem como oferta o lerão. Pela sua extensão, pela falta de hábito de leitura de banda desenhada - ou, simplesmente, pela falta de hábitos de leitura.
...mas se não houver edições - destas ou doutras - então é que ninguém (as) lerá. De certeza.
Francisco
Arnaud
Delalande (argumento)
Laurent
Bidot (desenho)
Yvon
Bertorello (colaboração)
Verbo
Portugal,
Julho de 2021
220
x 295
mm, 96
p., cor,
capa dura
17,50
€
(imagens disponibilizadas pela Verbo;clicar neste link para ver mais pranchas ou nas aqui exibidas para as apreciar em toda a sua extensão)
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