De uma ponta à outra
Com
a leitura iniciada em meados da década de 1990 e feita ao longo da
primeira mão-cheia de álbuns, ao ritmo da edição francesa,
até final do século passado, Pin
Up foi uma série cuja
conclusão,
pelos mais diversos motivos, fui
adiando
ao longo de quase duas décadas (!).
Terminei-a
agora - aliás, fi-la (em parte,
de novo) toda, de seguida, na
edição integral espanhola - confirmando os seus
muitos méritos mas também alguns
pontos menos meritórios.
Comecemos pela edição da Norma Editorial. Bom papel, capa dura, peca pelo formato ‘pequeno’ - que apesar de tudo o traço de Berthet suporta bem - e pela total ausência de qualquer tipo de texto introdutório ou de notas de leitura. É o custo - desculpem o termo - do preço baixo a que é proposta.
Mas, começo então por aqui, um texto introdutório e umas notas de leitura seriam bem úteis, para que o leitor conseguisse aproveitar as muitas citações e referências introduzidas pelo argumentista Yann. Se a mais óbvia é a feita ao grande Milton Caniff - de quem a personagem Milton funciona como alter-ego, criando mesmo um herói de BD que dá pelo nome de… Steve Canyon, muitas outras existem, dos óbvios e interventivos Howard Hughes, Hugh Heffner ou Alfred Hitchcock, às referências políticas - Kennedy, Nixon - ou a outras menos evidentes ou reconhecíveis, como as associadas aos casinos de Las Vegas, por exemplo.
No centro da história, está Dottie, uma bela ruiva cujo namorado foi mobilizado na Segunda Guerra Mundial - que é quando a história começa. Em tempos muito difíceis - que a separação agrava - de empregada de mesa a operária numa fábrica de armamento, passando por arrumadora num cinema, Dottie experimenta de tudo até acabar como modelo do referido Milton, autor de BD ao serviço do exército americano. Aproveitando as curvas sensuais da bela modelo, transforma-a em Poison Ivy, heroína de papel na guerra contra os japoneses, num tom paródico, que faz duplamente as delícias dos soldados na frente de batalha: pelas curvas da protagonista e pela forma como ela ridiculariza os inimigos.
Numa intriga que combina ciúmes e fixação doentia, com a guerra e as suas sequelas, o sucesso da tira banda desenhada e um serial killer, Yann dá largas à sua verve, criando um enredo intrincado e complexo, com múltiplas linhas narrativas que acabarão por confluir para um ponto comum no esclarecedor final.
Final que não o foi, correspondendo antes a um primeiro tríptico, sendo que o segundo decorre cerca de 15 anos mais tarde, embora isso seja pouco evidente em Dottie, especialmente, mas também na maioria das outras personagens recorrentes. Se em termos visuais isso é vantajoso - uma Dottie quarentona seria pouco apelativa - para quem como eu leu de seguida, este aspecto não faz muito sentido.
Como - na época como hoje - não faz muito sentido a forma como se parecem todas as belas mulheres com que Berthet nos presenteia, distinguíveis apenas pela cor dos cabelos ou pelos penteados… Para um apreciador da linha clara de Berthet como eu, até isso se perdoa, mas em termos narrativos nem sempre é fácil saber com quem estamos a lidar - algo que nesta série por vezes também se estende a alguns dos homens…
A segunda história, decorre em plena guerra fria, com a espionagem como tema principal e o regresso de Poison Ivy à acção, forçada a tal pelo excêntrico Hugh Heffner, dono da Playboy, para ele intermediar uma troca de prisioneiros em que está envolvido o actual marido de Dottie. Apesar das muitas voltas que a trama apresenta mais uma vez, a história é desta vez menos elaborada do que a anterior, mas Yann mesmo assim consegue homenagear novamente Caniff, cruzando a tira de BD Steve Cannyon, com a sua própria criação.
O último tríptico tem como tema o mundo dos casinos e das apostas de Las Vegas como cenário e base do argumento, com Dottie - eternamente jovem e apetecível… - a trabalhar num deles como fisionomista, para identificar jogadores suspensos ou barrados nos casinos. Vítima de uma perseguição e de acusações falsas, terá que reconstruir (mais uma vez) a sua vida, num mundo cada vez mais afastado dos originais: a BD e o seu alter ego - embora este ainda esvoace por lá.
Finalmente, o álbum encerra com uma história completa, em que Dottie mergulha no mundo do cinema de Hollywood, contracenando - no papel - com um singular Alfred Hitchcock, que utiliza inesperados métodos nas suas filmagens. Este relato, de novo com a sombra de um serial Killer a pairar, de certa forma encerra um círculo e, se não nos leva, com Dottie, ao ponto de partida, de alguma forma funciona como uma chegada a uma meta que estava longe de imaginar.
Em resumo, notei um decréscimo de qualidade ao longo deste longo (!) livro, não sei se por algum cansaço de uma leitura quase contínua, se por esgotamento de algumas situações recorrentes.
Isso não invalida a excelência do primeiro díptico e o bom nível do segundo, nem a forma primorosa como Yann combina ficção e história, num thriller policial e de acção, com uma forte componente sociológica.
Pin
Up Integral
Yann
(argumento)
Philippe
Berthet (desenho)
Topaze
(cores)
Norma
Editorial
Espanha,
2014
190
x 260
mm, 496
p., cor, capa dura
ISBN:
978-84-679-1481-8
39,95
€
(capa disponibilizada pela Norma; pranchas em francês disponibilizadas pela Dargaud; clicar nelas para as aproveitar em toda a sua extensão)
"Alfred Hitchcock, que utiliza inesperados métodos nas suas filmagens"
ResponderEliminarInesperados para as personagens, certo? Agora fiquei curioso. É que toda a gente sabe que o Hitchcock era um grande fdp para as actrizes.
O Yann fá-lo ainda mais do que isso...
EliminarBoas leituras!
Sim, o Hitch era um grande "fdp" com as actrizes, mais especificamente para com as loiras: Tippi Hedren, Kim Novak, Janet Leigh, Grace Kelly, etc...
EliminarParece que ele fazia questão de contratar louras apenas para as torturar psicológicamente e às vezes fisicamente.
Hoje em dia com o advento do #metoo não se safava.