05/11/2021

A Fera

E se...


E se o Marsupilami, em vez de ser o animal amigável e divertido que todos nós conhecemos graças ao génio de André Franquin, fosse na verdade - de forma compreensível e natural - uma fera selvagem (quase) incontrolável?
Este enredo, imaginado por Frank Pé e depois maravilhosamente escrito por Zidrou para o desenho sublime daquele, proporciona-nos outra das grandes leituras do ano e uma soberba homenagem a (uma das maiores criações de) um génio da BD.


Nela, Zidrou e Pé, subvertendo o delicioso original de Franquin, dotaram a sua história de um ambiente negro e depressivo. Veja-se a terrível sequência inicial, com as mortes de animais que se sucederam devido a uma avaria no barco que os transportava para zoológicos europeus, durante uma onda de calor. Veja-se o clima tenso, de hostilidade, vingativo mesmo, que se vivia na Bélgica do pós-guerra, onde se desenrola a maior parte da história, com uma verdadeira caça a ex-simpatizantes nazis. Veja-se, ainda, o contraste entre as novas pedagogias e os métodos de ensino mais tradicionais - e tradicionalistas. Veja-se, finalmente, para não me tornar maçador, o clima neo-realista que retrata a situação de miséria do pequeno François Van Der Bosch e da sua mãe.

Mas, a tudo isto, o magnífico Zidrou, acrescenta um humor delicodoce e uma imensa ternura - ou não fosse ele o argumentista da sublime série Verões Felizes - evidente na relação tão próxima entre François e a mãe, no amor daquele pelos animais estropiados, na paixão pelo ensino do professor Boniface, nos pequenos entreactos protagonizados pelos animais, no toque de romantismo que mesmo assim consegue dar ao relato.

E não fosse tudo isto suficiente, leiam com atenção para encontrarem as diversas referências, em jeito de homenagem, a autores e heróis de BD, umas mais evidentes do que outras, que estão espalhadas pelo livro.


E não sendo já pouco, Frank Pé utilizou um fabuloso traço semi-realista para nós visualizarmos tudo o que ele e Zidrou tinham para nos mostrar, assente numa planificação anárquica - deixem-me escrever assim para caracterizar a falta de um modelo estável ao longo de todo o livro, com o número e tamanho de tiras e vinhetas a ser definido caso a caso pelas necessidades do relato - e umas cores sombrias que acentuam o tom depressivo e soturno de uma história com uma evidente mensagem de esperança e crença no ser humano!

À edição, de grande tamanho para nos podermos deliciar com o traço de Pé, papel consistente mas leve para a transportarmos facilmente e fazermos inveja a quem a vir nas nossas mãos e excelente impressão, só há um senão a apontar: deixa-nos abandonados, suspensos, a meio da história, depois de centena e meia de páginas intensas, tocantes e emotivas, a que nos sentimos forçados a voltar, a folhear, a reler de olhar atento, para aproveitarmos ao máximo, enquanto os autores não concluem o seu relato.


A Fera
Zidrou (argumento)
Frank Pé (desenho e cor)
A Seita
Portugal, Outubro de 2021
À venda em livrarias a partir de 11 de Novembro
247 x 285, 164 p., cor, capa dura
32,00 €

(capa disponibilizada por A Seita; pranchas da edição original francesa da Dupuis; clicar nelas para as apreciar em toda a sua extensão)

2 comentários:

  1. Já tinha lido há um ano na aedição da Dupuis.

    Recomendo, está muito bom.

    É para livros como estes que foi inventada a 9ª arte.

    Tenho de averiguar da sua continuação.



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    Respostas
    1. A continuação está prevista para 2023...
      Boas leituras!

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