02/02/2022

Michel Vaillant #10 Pikes Peak

(Des)equilíbrios





Pensado sem me lembrar que o álbum anterior tinha originado um texto com o título Equlíbrios, a nomenclatura que este ostenta espelha - em minha opinião - a forma como a 'nova vida' de Michel Vaillant tem aos poucos 'derrapado'.

Relembro as premissas desta renovada vida aos quadradinhos do piloto automóvel mais famoso da BD, na sua fase pós-Jean Graton: à imagem das séries televisivas, em temporadas curtas (de 4 álbuns) focar a intriga mais nas questões sentimentais/familiares e menos nas pistas de corridas.

Aos poucos - 'correndo' atrás dos antigos fãs(?) este último quesito tem vindo a ganhar peso, e o Michel mais inseguro - e por isso humano - dos primeiros álbuns, tem vindo a dar lugar ao piloto (quase?) infalível, capaz de vencer qualquer corrida, em qualquer pista - ou até fora delas. Desta vez, de novo em território norte-americano, Michel Vaillant vaio enfrentar a Pikes Peak, uma prova de 20 quilómetros em estrada, sempre a subir, versão mais longa e arriscada das 'rampas' que até há uns anos tinham lugar em Portugal em muitos fins-de-semana.

A par do protagonismo crescente do piloto sobre o homem, transparece uma necessidade de mergulho no passado, com personagens marcantes da série a darem as caras, possivelmente também em busca dos que em tempos acompanhavam fielmente as corridas aos quadradinhos. Steve Warson - (pouco) empenhado numa carreira política, que neste álbum faz uma curiosa e até interessante colagem futurista à realidade presente da política norte-americana - tem tido aparições pontuais, nem sempre dotadas da maior lógica.

Neste álbum, para além dele, também de forma apressada e mesmo inconsequente, renasce Bob Cramer, numa versão burlesca e caricatural que, se segue a linha que norteou a personagem originalmente, custa a aceitar no actual registo narrativo. Registo esse, em que tudo está a acontecer demasiado depressa e facilmente, estando a perder-se a intriga mais burilada dos primeiros álbuns, acusando, possivelmente, as mudanças autoris que têm tido lugar.

Graficamente, tem sido notório também uma perda de qualidade, com os cenários fotográficos a multiplicarem-se, em claro contraste com os fundos vazios de muitos cenários, falhando por completo os efeitos pretendidos com algumas vinhetas de grande dimensão. Ao mesmo tempo, as personagens têm perdido em dinamismo e naturalidade, com os rostos e as posturas a surgirem com uma imprevista rigidez.

Sobram, como notas mais positivas, o maior protagonismo de Françoise, esposa do piloto, agora como mulher de negócios à frente da marca Vaillant, a tentativa (púdica) de criação de momentos de intimidade entre o casal e, como nota dissonante, mas profundamente realista e humana, as sombras que a escapadela de Michel com a jornalista Carole ainda projectam naquele relacionamento.


Michel Vaillant #10 Pikes Peak
Denis Lapière (argumento)
Bejamin Benéteau e Vincent Dutreuil (desenho)
ASA
Portugal, 1 de Fevereiro de 2022
225 x 298 mm, 56 p., cor, capa dura
14,95 €

(imagens disponibilizadas pela ASA; clicar nelas para as aproveitar em toda a sua extensão; clicar nos textos a cor diferente para saber mais sobre os temas destacados)

3 comentários:

  1. Sendo assíduo leitor de Michel Vaillant, do qual tenho todos os álbuns, e grande apaixonado pelo desporto automóvel, é sempre com uma expectativa redobrada que aguardo cada nova história.
    E tenho apreciado esta nova fase, em claro equilíbrio com a evolução e transformação do desporto motorizado, mantendo essa apreciação com este álbum que já o possuo há mais de 2 meses, por ter adquirido a versão francesa quando saiu.

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  2. Gostei... e considero que o espírito Graton não deixa de estar presente!

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  3. Acabei de ler e penso que este álbum vem na continuação dos dois últimos. Os autores estão a fazer uma Pikes Peak mas ao contrário, sempre a descer...

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