02/03/2022

Nestor Bruma: O sol nasce atrás do Louvre

Sucessão


Nestor Burma é um detective privado criado pelo romancista Léo Malet, na década de 1940, quando decidiu que os protagonistas de romances policiais não precisavam de ser norte-americanos, mas podiam evoluir na sua França natal.
Nos anos 1980, Jacques Tardi, 'contemporâneo' de Burma, fez a primeira de quatro (aclamadas) adaptações dos seus inquéritos para BD, aproveitando a liberdade gráfica, temática e do número de páginas, concedida pela revista (À Suivre), retratando num preto e branco (e cinza) magnífico a sua paixão por Paris.
Não é, no entanto, a obra de Tardi que a Gradiva propõe aos leitores portugueses - o que obviamente se lamenta, embora prometa a sua edição posterior - mas sim a continuação da série por Emmanuel Moynot.

Proposta em dose dupla, com A noite de Saint-Gernain-des-Prés (a servir de iniciação) e O sol nasce atrás do Louvre, que servem de introdução a um protagonista, humano e imperfeito, que parece mais um figurante numa imensa peça teatral que se desenrola à sua volta. Frequentemente no sítio certo, mas quase sempre à hora errada, Burma é obrigado a andar atrás dos acontecimentos, enquanto os cadáveres se acumulam ao seu redor.

Retrato do submundo parisiense dos anos 1950, em que o perigo convivia com o uso de expedientes, a que a tradução de Regina Guimarães ajuda a dar colorido e estranheza, fazendo jus ao uso original de calão, os policiais de Malet raramente têm um final feliz, mesmo que um certo sentido (retorcido) de justiça acabe por prevalecer.

Se no primeiro dos títulos referidos, ainda é visível que Moynot procura a melhor forma de equilibrar o (virtuosismo do) universo gráfico de Tardi com o seu próprio estilo, dando-lhe sequência sem um corte demasiado abrupto, no segundo já é notório um maior à vontade, com o traço mais seguro e homogéneo, o centro da acção a ser Paris e não Burma e a cor a ser usada de forma mais consistente como elemento narrativo.

Nele, o reencontro do detective com um velho conhecido, que recorrentemente vem a Paris 'descansar' do casamento para ser posteriormente recambiado para casa pelo herói de Malet, e a posterior descoberta de um cadáver, acabará por arrastar o protagonista para uma maquinação complexa, que inclui o roubo de um quadro do Louvre, um coleccionador pouco escrupuloso, uma bela mulher que tenta fugir à passagem do tempo e a poderosa acção do acaso na conjugação de todos estes ingredientes, numa narrativa em que acção e reflexão se equilibram com as surpresas que se sucedem, proporcionando uma leitura demorada e compensadora.


Nestor Bruma #2 O sol nasce atrás do Louvre
Emmanuel Moynot
Gradiva
225 x 297 mm, 72 p., cor, capa dura
16,50 €

(versão retocada do texto publicado no Jornal de Notícias de 19 de Fevereiro de 2022; imagens disponibilizadas pela Gradiva; clicar nesta ligação para ler as primeiras pranchas ou nas aqui reproduzidas para as aproveitar em toda a sua extensão)

5 comentários:

  1. Retive do teu texto, Pedro, que a Gradiva promete editar os 4 álbuns do Tardi, posteriormente,... isso é bom, muito bom! Vamos ver é para quando é que isso vai acontecer. Mas são boas noticias.

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  2. Penso que a adaptação dos textos de Malet é pouco conseguida. Aguardo com muita expetativa os 4 Tardi...

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  3. Não conhecendo os originais, acho que este segundo volume funciona melhor enquanto BD,
    Quanto à edição dos livros do Tardi, estará certamente - e inevitavelmente - dependente das vendas da série...
    Boas leituras!

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  4. Considero que a Gradiva tem publicado excelente bd, mas... para mim, este não é o caso!

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