11/05/2022

Rattlesnake

Experiências






Primeira experiência 'oficial' de João Amaral no western, um tipo de narrativa que tanta admira, Rattlesnake é uma obra de contrastes.

O ponto de partida é um dos estereótipos do género: um rico e influente proprietário de terras, habituado a ser obedecido e prepotente, com uma pequena cidade dominada por si, tenta anexar mais uma propriedade ao seu vasto erário, tendo que lidar com a recusa do dono e uma inesperada oposição.

Narrada - melhor ou pior - inúmeras vezes, esta história sofreu por parte de João Amaral a introdução de alguns elementos capazes de fazer alguma diferença.

O primeiro, é o facto de Rattlesnake ter como protagonista uma mulher, ainda jovem. Não sendo a primeira vez que acontece, não é vulgar. Faltou (neste volume?) justificar essa escolha - nada no argumento marca a(s) diferença(s) que se poderia(m) esperar - e dar-lhe espessura e carácter, por exemplo através de saltos temporais que encontrassem no seu passado, a razão para as suas (pouco habituais) opções presentes.

Outro facto, embora menor, que introduz um carácter distintivo, é a questão do racismo associada à tentativa de expropriação, pois os donos do terreno são negros.

Apesar destes pontos originais, insuficientemente explorados, Rattlesnake, para lá do já indicado, revela diversas fragilidades.

A primeira revela-se ao nível dos diálogos - e aqui convém relevar que João Amaral é autor completo, o que acontece pela primeira vez num projecto desta dimensão - algumas vezes excessivos e com uma linguagem demasiado cuidada - mais própria do registo escrito do que do registo oral expectável - que não se enquadra com as personagens nem com o tempo e local.

Apesar disso, o João Amaral escritor conseguiu imprimir ao seu relato um certo tom ponderado e pausado que acentua e potencia o clima de tensão crescente, mas esse aspecto retirou-lhe (em termos de páginas) a possibilidade de gerir melhor algumas das cenas (a inicial, no bar, o desvio da água, o assédio final...), resolvidas de forma demasiado simplista e apressada, o que acaba por lhes retirar credibilidade. E mais, à tensão crescente referida, faltou um clímax de acção mais prolongado e efectivo e um final menos expedito e linear.

Mudando a agulha para o JA desenhador, a um tempo veterano e novo autor, ele não ficou atrás do seu 'parceiro escritor', neste clima de contrastes.

Veterano pelos muitos títulos já editados, João Amaral desenha aqui pela primeira vez um álbum inteiramente a aguarelas, embora com alguns ajustes digitais nas cenas nocturnas. Talvez por isso, por essa 'inexperiência', se há cenas e/ou pranchas que surgem mais agradáveis e balanceadas, outras indiciam a necessidade de mais trabalho, com as questões técnicas a influenciarem o tratamento desequilibrado da figura humana ao nível dos corpos, das expressões e do dinamismo que se espera associado a um western. Curiosamente, João Amaral sai-se bem melhor da representação dos cavalos, que geralmente são o calcanhar de Aquiles daqueles que abordam o género. Da leitura, quase me ficou a sensação de João Amaral ter utilizado dois tipos de traço: um mais realista, menos conseguido, e outro (quase) semi-caricatural, que acaba por se revelar mais equilibrado e mesmo funcional no conjunto do livro.

Finalmente, referenciando o terceiro (!) JA, o colorista, se é verdade que nos cenários diurnos se estaria à espera de tons mais quentes e opressivos compatíveis com os cenários exteriores de deserto ou planícies secas e rochosas, a verdade é que os tons aplicados não se revelam desajustados do conjunto.

Duas questões finais. A primeira, a pose 'canhota' - também ela recorrente em tantos westerns! - que a protagonista exibe na capa, mas que a realidade interior desmente. A segunda, a longa saia que veste, que soa 'funcionalmente' incompatível com as acções que pratica.


Rattlesnake
João Amaral
Escorpião Azul
Portugal, Abril de 2022
170 x 240 mm, 80 p., cor, capa cartão com badanas

(capa disponibilizada pela Escorpião Azul; imagens disponibilizadas pelo Tex Willer Blog; clicar nelas para as aproveitar em toda a sua extensão)

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