19/07/2022

A vingança do Conde Skarbek

À sombra de Alexandre Dumas




Estou certo de que, se questionados sobre a mais famosa história de vingança que conhecem, a maior parte dos leitores evocaria O Conde Monte Cristo, de Alexandre Dumas, e confesso que foi esse romance que me veio à cabeça quando comecei a leitura de A vingança do Conde Skarbek, recém-editado pela Arte de Autor.

Talvez por isso - pelo perigo dessa aproximação - o argumentista Yves Sente, de forma inteligente e com humor, que aqui assina um dos seus melhores argumentos, optou por piscar o olho à obra de Dumas, apontando no decorrer do relato a sua própria história como a base da inspiração do romancista francês. Mas diga-se desde já que, para além de protagonizadas por (falsos) condes e do móbil da vingança, pouco mais há em comum entre os dois relatos.

A decorrer em meados do século XIX, quando Dumas escrevia o seu celebrado romance, A vingança do Conde Skarbek é a história de um pintor, Louis Paulus, da sua musa, a bela e sensual ruiva Magdaléne, e da trama que aquele orquestrou contra os que contribuíram para a sua ruína e desgraça, regressando dos mortos para se vingar do patrono que o enganou e dos seus cúmplices apostados em enriquecer rapidamente à sua custa.

A nota distintiva desta banda desenhada, com um arrebatado pendor de romance de aventuras clássico, é a forma como Sente, também responsável por episódios de XIII, Thorgal ou Blake e Mortimer, urdiu uma intriga envolvente e retorcida, que surpreende e cativa o leitor que, uma vez aprisionado pelo relato, se deixa levar para descobrir, uma e outra vez, como as traições se sucedem e o próprio narrador foi capaz de o enganar sucessivamente, alterando o que aos seus olhos parecia evidente e imutável.

Dividida entre longas sessões em tribunal, uns quantos momentos de acção que incluem pirataria e tórridas sessões de pintura e sexo, A vingança do Conde Starbek corresponde à estreia do polaco Grzegorz Rosinski no uso da técnica de cor directa, ou seja, num desenho sem o habitual traço negro para definir limites e contornos, ficando essa função a cargo das próprias cores, o que para além da beleza estética daí resultante, faz todo o sentido numa história que mergulha nos meandros da inspiração e da pintura e tem a valorização subjectiva dos quadros como móbil, para mais sem que isso lhe retire força ou expressividade

à edição da Arte de Autor - que teve tradução, legendagem e design de Mário Freitas, só se podem tecer elogios, desde a capa suave ao toque à colocação de verniz no título, passando pela qualidade do papel e da legendagem. E, claro, pela inclusão, no dossier final, dos esboços que Rosinski fez para mais de uma dúzia de pranchas de sexo explícito que aumentavam e muito a força desta componente no relato, mas que o desenhador se recusou depois a terminar e a incluir na obra.


A vingança do Conde Starbek
Yves Sente (argumento)
Grzegorz Rosinski (desenho)
Arte de Autor
Portugal, Junho de 2022
235 x 310 mm, 128 p., cor, capa dura
29,95 €


(texto aumentado da versão publicado no Jornal de Notícias online de 8 de Julho de 2022 e na versão em papel do dia seguinte; imagens disponibilizadas pela Arte de Autor; clicar nesta ligação para ver mais pranchas ou nas aqui reproduzidas para as aproveitar em toda a sua extensão; clicar no texto a cor diferente para saber mais sobre os temas destacados)

3 comentários:

  1. Concordo plenamente. Um livro que dá gosto ler, ver e tocar. Argumento que nos agarra completamente, o adorável desenho de Rosinski e a edição em que sentimos o livro como um objeto de desejo, um corpo cuja pele se tateia e nos compraz. Sério candidato a livro BD do ano.

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    1. Subscrevo plenamente.
      Boas leituras!

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    2. Carlos Barros28/7/22 00:32

      Adquiri recentemente embora já conhecesse a obra de Rosinski; concordo inteiramente com tudo o que foi referido, destacaria apenas o traço sublime de Rosinski que nos oferece com esta sua obra uma das suas melhores criações a par de um argumento muito bem urdido por Y. Sente; a edição da Arte de Autor é uma das melhores que me foi dado a ler e tocar(!); recomendo a todos os amantes da boa Banda Desenhada.

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