17/01/2023

Noir Burlesco #1

A roupa com que a veste
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Filadélfia 1950. Terry Slick é um gangster dos duros, um lobo solitário, com preferência por trabalhar sozinho, especialista em assaltos ousados e rentáveis. Os acasos da vida - ou o que dela fez - obrigam-no a trabalhar para Hollow, um dos senhores do crime locais, por razões diversas entre as quais pagar uma dívida do seu irmão.
Se por motivos óbvios, a relação entre ambos nunca foi a ideal, torna-se mais complicada quando Slick, após ausência para prestar serviço militar que o levou a combater na Europa, na II Guerra Mundial, descobre que Deb Caprice, a sua grande paixão de sempre, permanente e mal resolvida, é agora noiva de Hollow.

História negra, como o título indica, e violenta, de paixões avassaladoras, ódios eternos e sucessivos ajustes de contas, Noir Burlesco parece não fugir muito a obras primas que o cinema e a literatura - e a própria BD - já nos apresentaram. Mas nesta, como em todas, a diferença está na roupa com que os autores a vestem.

E não falo dos provocadores vestidos de Deb - e de uma ou outra figurante - curtos, decotados e reveladores q.b., nem das soberbas pinceladas de vermelho vivo cor de fogo nos seus cabelos e nos seus lábios sensuais, que atiçam todas as paixões e empurram mais para o braseiro do inferno os que se aproximam demasiado deles ou os que deixam correr à solta os pensamentos inflamados que eles despertam.

Inevitável, quando estes apontamentos esparsos nas pranchas, se destacam de forma tão evidente no tom geral a negro - como o coração dos gangsters - e branco - como ficam os olhos das suas vítimas - com uma multiplicidade de cinzentos intermédios - porque aqui não há inocentes nem quem escape entre as balas - conseguidos à custa de aguadas que recriam magistralmente o lado sombrio da época e acentuam o registo que Marini adoptou nesta criação.

E era a isso que me referia quando citei atrás as roupagens que vestem a história. Um desenho duro mas atraente, em que Deb brilha a grande altura, num conjunto que graficamente prima pelo dinamismo das cenas, pela forma como o desenho nos conduz por elas, muitas vezes sem necessidade de qualquer texto ou com este reduzido a diálogos, curtos, certeiros e incisivos, com a acção a acelerar ao ritmo das viaturas que os protagonistas conduzem, ao som dos tiros que ecoam em noite escura, em locais sombrios ou da violência latente que facilmente explode ao mínimo pretexto.

Primeiro de dois volumes, numa cuidada edição da Arte de Autor e de A Seita, Noir Burlesco é tudo o que prometia o traço conceituado de Marini e mais ainda pela forma como ele explora a limitada paleta cromática por que optou, e deixa o leitor (quase) capaz de matar pela conclusão.


Noir Burlesco #1 (de #2)
Marini
Arte de Autor/A Seita
Portugal, Dezembro de 2022
210 x 285 mm, 104 p., cor, capa dura
24,00€

(versão revista e expandida do texto publicado no Jornal de Notícias online a 6 de Janeiro de 2023 e na edição em papel do dia seguinte; imagens disponibilizadas pela Arte de Autor e A Seita; clicar nelas para as aproveitar em toda a sua extensão)

2 comentários:

  1. Excelente crítica, excelente BD. Sim Pedro, somos (quase) capazes de matar pela conclusão.

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